terça-feira, 26 de março de 2013

João Martins da Jaçanã e o Caso do Ipu - Parte III






            A cidade de Ipu, no dia primeiro de janeiro de 1915, amanhecera radiante. O sol castigava a muralha da Ibiapaba e produzia um verdadeiro espetáculo de cores e luzes. A cidade “acordava” e abria suas portas. No mercado se ouvia o vociferar de transeuntes, pedintes, comerciantes, mulheres da vida e daqueles que lá foram comprar sua ração diária. Em cada esquina só se falava de política, da valentia de João Martins e da mudança de poder: alguns diziam: “o coronel que se cuide. Disseram que Benjamin deu ordens para acabar com o valentão. Ouvi dizer que vai chegar uma força policial na cidade, com soldado até do exército. Agora quero ver o que vai ser!”: outros replicavam: “ah, quero é ver! O coronel vai surrar todos que não é homi de fugi do combate”.
            Enquanto o ano novo era comemorado com entusiasmo por alguns e a população exercia sua arte de “cortar e picar”, um grupo de pessoas tinha motivo de sobra para se preocupar, é que sabia, seria alvo de perseguição. Os rabelistas de Ipu, os até então temidos Martins, foram surrados do poder e nada podiam fazer. Com a queda de Franco Rabelo, estiveram de mãos atadas. Todos os cargos de mando, em Ipu, agora estavam sob domínio de seus tradicionais opositores: os Aragão. Estes que nunca comandaram a Terra de Iracema estavam sentido o delicioso gosto de governar. Mas mal sabiam eles que este doce sabor logo se transformaria em fel.
            As notícias não eram boas para os Martins. Estes sabiam por fontes seguras que o presidente do Estado designara um destacamento do batalhão de polícia para estacionar em Ipu e teria escolhido o pior de seus tenentes para executar seus planos sujos: aniquilar os Martins de Ipu.
            No ano novo muitos veriam o sol nascer quadrado. 1915 entrou para os anais da história dessa formosa cidade, como o ano em que a Terra de Iracema sentiu o gosto do sangue  derramado dos poderosos de Ipu, acostumados a “beber o líquido vermelho” de seus opositores, ou mandá-los para os porões de suas cadeias nada limpas.
            A cidade mal tinha comemorado a chegada do ano novo com os espocar dos fogos de artifícios, eis que ainda na noite do dia primeiro, chegava a Estação Ferroviária do Ipu o “asqueroso selvagem” Tenente Espinheiro, conhecido por suas técnicas de tortura e seu prazer em rasgar seus inimigos com o fio de sua baioneta e fazê-los sofrer antes de morrer: tinha prazer ao ver o sangue e o sofrimento do inimigo. Dizem alguns que era admirador dos Assírios, povos da Mesopotâmia conhecidos por suas técnicas cruéis de tortura ao inimigo. Vinha acompanhado de 100 praças e recebera ordens terminantes de Benjamim Liberato Barroso, presidente do Estado, de não poupar munição, não economizar no sangue derramado do inimigo e não se acanhar na tortura daqueles que não colaborarem com a polícia.
            No mesmo dia primeiro, no meio da noite, seguiram para a fazenda Jaçanã para cumprir o que lhes fora determinado. Deveriam chegar de surpresa e antes que alguém avisasse ao coronel. O objetivo era massacrá-lo com toda sua família. Ao chegar próximo à fazenda e cercá-la, pela manhã, a soldadesca rompeu em cerrada fuzilaria contra a casa principal da fazenda. Na ocasião, encontravam-se em casa somente João Martins e Antonio Rodrigues (Chapéu Grande), seu fiel capanga, e dois menores seus netos (na verdade afilhados), que momentos antes saíram para um cercado, junto à casa, para dar água a animais. Um deles foi morto barbaramente, trucidado pelas balas, e o outro foi salvo por outro praça que o escondeu de seus companheiros para que não fosse morto.
            O furor da artilharia foi tal que o telhado da casa ficou em cacos. Como ali não encontrou viv’alma, o tenente ordenou à destruição da fazenda: impossibilitado de saciar seu desejo de espichar o coro do coronel João Martins com as próprias mãos e, tomado por uma cólera insuportável, saqueou a fazenda. O que não pôde levar queimou. Alguns soldados esvaziaram latas apinhadas de querosene sobre a casa e os depósitos de farinha, milho, feijão, algodão e tudo o mais. A fazenda foi quase totalmente destruída.
            Entre os documentos saqueados um soldado encontrou a patente de coronel concedida a João Martins pela Guarda Nacional, título que impunha respeito e medo. De pirraça e para humilhá-lo, com ordens de Espinheiro, os soldados enfiaram-na em uma estaca na frente do que restou da abastada Fazenda Jaçanã, como quem diz: “eis a patente de um coronel sem fazenda”.
            João Martins e Chapéu Grande, antes disso, ganharam o mato. Espinheiro e seus soldados procuraram-nos como animais, sem resultado, pelas fazendas das redondezas.
Ainda em janeiro os soldados empreenderam outra investida à Fazenda Jaçanã, destruindo o que teria restado do primeiro incêndio, sendo ali, espancadas, diversas pessoas, inclusive dois sobrinhos do Coronel João Martins. Ao cercar a casa do Cel. Felix Martins (irmão de João Martins), foram presos seus filhos, genros e agregados (8 pessoas), além dos espancamentos feitos no local.
Continua...
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