quinta-feira, 21 de março de 2013

O Campo de Concentração do Ipu - Parte III




Os Retirantes - quadro de Cândido Portinari 

O medo

Essa grande leva de retirantes que acorreu para o município de Ipu em busca do Campo deixou aflita e apreensiva a população local, em especial as classes mais abastadas, afinal, em menos de um ano a população urbana havia mais que duplicado. Essa invasão gerou expectativas e aterrorizou os habitantes da cidade. O medo dos saques, no início foi uma constante, pois chegavam à região as notícias deles na capital e no interior.
 Diante disso, desde o início a preocupação maior das autoridades foi com o controle e disciplinamento dos retirantes. A assistência só era feita no interior do Campo. Havia vigilância permanente. Uma vez assistidos havia uma preocupação em manter os flagelados no “curral”, para que estes não atingissem a área urbana da cidade. A própria localização do Campo distante do centro facilitava a vigilância e o controle. Mesmo assim, não raras vezes, muitos famintos atingiam o centro da cidade.
 O medo das revoltas e dos saques, das “doenças” e da “criminalidade”, da “mendicância”, dos “desvios morais”, da “prostituição” que agride o “pudor das senhoras” e “senhoritas distintas’, levou o poder público, pressionado por grupos de pessoas abastadas, a adotar estratégias de confinamento e controle dos “indesejados”.
Todo um aparato político-administrativo, religioso, policial e médico concorreram para a execução desse receituário, visto serem eles mesmos os representantes das “elites”.
O policiamento e a vigilância nos Campos eram ostensivos. O movimento dos flagelados era vigiado constantemente. Dos Campos só poderiam sair, teoricamente, com a autorização dos inspetores. A Igreja católica, também se fazia presente. Além de levar aos miseráveis o conforto da palavra de Deus, reforçava a vigilância e o controle dos famintos. Deveria torná-los mais obedientes e dóceis. “Os pobres não se maldiziam, não se revoltavam, mesmo porque o padre dissera no sermão que ali proferira, à hora da missa campal: - ‘Todos se confortassem com a vontade de Deus. São Sebastião livraria da peste. Aquela seca era para purgar os pecados. Mais difícil era um rico entrar no céu que um camelo passar no fundo de uma agulha’. E eles chegavam a acreditar, achando que havia compensação na sua pobreza – e nunca se revoltaram”, anotou Magalhães Martins.
No Campo do Ipu o vigário Monsenhor Gonçalo Lima, semanalmente, celebrava missas, casamentos, batizados. Ali foi erguida uma capela, onde o padre celebrava os cultos religiosos para a “cidade dos pobres”.
O saber médico também estava presente no Campo de Concentração. Todos que chegavam deveriam ser vacinados. Havia uma preocupação com a vacinação constante dos assistidos. Embora a vacinação fosse obrigatória, muitos, não acostumados, resistiam. Também havia uma preocupação muito grande com as condições de higiene, como vimos. Não obstante, as epidemias não foram evitadas. O tifo, a “desenteria”, o sarampo e outras doenças ceifaram muitas vítimas.
Todo um aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações de retirantes geravam na população. As doenças contagiosas era um dos espectros que rondavam os “currais” dos “bárbaros” e aterrorizava as classes dominantes. Seu combate tinha que ser incessante sob pena de extrapolar os “muros” do Campo e atingir as famílias “distintas”. Havia no Campo do Ipu uma média diária de seis a sete mortos. Só entre abril de 1932 e março de 1933 registraram-se, de acordo dados de Kênia Rios, mais de 1.000 mortos.

Saiba Mais

ARAÚJO, Raimundo Alves de. Ipu: Da Ocupação do Espaço Urbano ao Campo de Concentração. Monografia de graduação do curso de história da UVA. Sobral, 2003.
RIOS, Kênia Sousa. Campos de concentração do Ceará: isolamento e poder na seca de 1932. Fortaleza; Museu do Ceará / Secretária de Cultura e Desporto do Ceará, 2001.
NEVES, Frederico de Castro. A multidão na história: saques e outras ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense. Tese de doutoramento, 1998.





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