segunda-feira, 18 de março de 2013

O pastor e sua maldição




Deputado Marco Feliciano. Fonte: google.com.br
O pastor da Igreja Assembleia de Deus, deputado Marco Feliciano (PSC-SP), foi eleito pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para presidir o colegiado. O fato chocou o país e levou a protestos por sua renúncia. O pastor-deputado, em muitas declarações, atacou negros e homossexuais. Por várias vezes, no Twitter e em cultos, declarou que o continente africano era amaldiçoado, que os africanos eram descendentes de Cam, amaldiçoado por seu pai, Noé.
            Essa mesma interpretação foi dada pela Igreja Católica no limiar da Era Moderna e não é original em nada. Enquanto esta foi usada para justificar a escravidão negra, aquela defendida pelo pastor é uma justificativa para o seu impregnado racismo.
Na Idade Moderna, a Igreja Católica foi braço do poder político, e uma das bases de sustentação das monarquias europeias. Com a expansão marítima, tais monarquias deram início à colonização de territórios fora de seus reinos e além-mar. Na exploração das colônias, adotaram o trabalho escravo e africano. A Igreja, por sua vez, condenava a escravidão, mas não tinha força política para combater as monarquias. Diante do impasse, foi buscar na Bíblia justificativas para isso. Segundo a interpretação de muitos clérigos, daquela época, os africanos seriam ora descendentes de Caim ora descendentes de Cam. Pela narrativa bíblica Caim foi, por sua ingratidão e por matar seu irmão, Abel, amaldiçoado por Deus, expulso do paraíso. Ainda, carregaria uma marca inconfundível do pecado. A Bíblia não diz que marca é essa. Logo os Clérigos passaram a defender que Caim teria ido para a África e a pele negra seria esta marca.
Em outra interpretação, os africanos seriam descendentes de Cam, filho de Noé. Pela narrativa bíblica, Cam teria visto seu pai nu, embriagado após beber vinho (Noé cultivava vinhas). Ao invés de cobri-lo, como dizia a tradição, teria rido e contado o episódio para seus irmãos. Mais tarde, ao descobrir o ocorrido, Noé expulsou Cam de seu lar, maldiçoando-o e a seus descendentes.
Na idade moderna, alguns clérigos, portanto, na ânsia de justificar a escravidão, passaram a defender que os filhos da África, apontada como novo lar de Cam, seriam, portanto, amaldiçoados. Mas, nestas justificativas, havia uma saída para o povo africano. Apenas a escravidão, uma vida de sacrifícios e resignação, seria capaz de redimi-lo. Nesta ótica, a escravidão era algo bom e não ruim para os africanos, uma vez que, somente por ela os escravos apagaram a “mancha” (“cor da pele”) do pecado. O Brasil, por exemplo, seria, nas palavras do Padre Antonio Vieira, o purgatório dos negros. Como o ato de purgar o açúcar, processo que tira suas impurezas, a escravidão purgaria os “pecados” dos negros, dando a eles a possibilidade de salvação e vida eterna.
Ora, isso não passa de “ideologia”, uma justificativa capaz de redimir a Igreja, daquele momento, do mal de permitir a escravidão. É preciso esclarecer que nem todos os clérigos aceitavam a escravidão, mas o posicionamento oficial da instituição prevaleceu.
A África não foi amaldiçoada por Noé (uma narrativa mitológica que deve ser compreendida em sua figuração, como ensinamento, alegoria). Nem este amaldiçoou os africanos. O que ocorreu foi que os homens, que estavam à frente das instituições, para defender os seus interesses, interpretaram a Bíblia da maneira como lhes convinha.
Não creio que Marco Feliciano acredita nisso, no que ele disse. Ele é uma pessoa esclarecida, apesar de seu posicionamento condenável. Creio que ele apenas foi buscar uma justificativa para o seu racismo.



← ANTERIOR INICIO

0 comentários:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, opinião e sugestões. Um forte abraço!