quarta-feira, 10 de abril de 2013

O mundo dos negros em Ipu - Parte I



"Jogar capoeira ou dança da guerra" do pintor Rugendas, publicada em 1835. Fonte: RUGENDASJohann Moritz . Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1940

Introdução

Os primeiros historiadores ipuenses superestimaram a nossa formação europeia, branca, cristã e católica. Mais do que isso, criaram a imagem de que o povoado, que mais tarde daria origem à cidade de Ipu, teria nascido da catequese dos primeiros missionários, ao banir de nossa formação, a “raça infecta” indígena. O negro é quase totalmente negligenciado, dando a impressão de que ele não teve papel importante em nossa formação. Essa versão da história estava bem de acordo com os valores da época, que identificava a sociedade europeia, branca e cristã, como depositária dos valores superiores da civilização e da modernidade. Desta forma, o indígena e o negro, sempre identificados como “raças inferiores”, incapazes de produzir conhecimento, ciência, de evoluir, são esquecidos ou conscientemente negligenciados. 
Em seis partes, buscamos demonstrar, ao contrário, que o negro teve um papel significativo na formação de nosso povo.

O negro no Ipu


No nosso processo histórico a presença do negro foi significativa. Não se trata apenas de lembrar a escravidão. As fontes sobre a sua presença na sociedade ipuense apontam para o fato de que existia uma gama muito superior de negros libertos, mulatos e pardos em relação ao número de cativos. Postular que a presença negra em nossa cultura foi pouco significativa, porque a escravidão não teve, entre nós, grande importância, nos coloca diante de uma questão perversa, que consiste em associar o negro à escravidão.
            Na segunda metade do século XIX até antes da abolição, existia em Ipu um número bastante significativo de não brancos trabalhando como homens e mulheres livres.
            Entre 1857/1858 existiam, segundo números oficiais, 784 escravos numa população de 17.420 habitantes, cerca de 4,5% da população. Em 1860 este número aumentou para 807 escravos. Em 1872 a cidade tinha 687 cativos e no ano seguinte este número subiu para 835.
            Estas cifras revelam a existência de um número significativo de escravos na cidade de Ipu, mas, por outro lado, não revelam, por exemplo, a existência de um número muito maior de negros, pardos e mulatos não cativos.
            Temos inúmeros exemplos de negros libertos que exerciam atividades em Ipu na segunda metade do século XIX. Eusébio de Sousa anota em um de seus trabalhos que em Ipu, um dos primeiros que descobriu minas de ouro foi um “preto velho”, natural de Minas Gerais, conhecido pelo epíteto de “Pae Flor” e “extrahio dellas porções de elevado quilate, que vendia aos ourives da cidade e dava tambem a outras pessoas”.       Eusébio de Sousa cita ainda o caso do negro Gabriel, supostamente nascido em Sobral e que constituiu família em Ipu e aqui morreu. Depois de correr mundo como escravo veio conseguir sua liberdade na Terra de Iracema. Ergueu em Ipu o primeiro e único hotel até o início do século XX que deram o nome, mais tarde, de Rendez-vous des amis (encontro dos amigos). Muito conhecido na cidade, seu nome completo era Gabriel de Saboya e Silva, em função de ter sido escravo do dr. José Thomé da Silva, juiz de direito da Comarca de Ipu em meados do século XIX.
            Podemos citar ainda um último caso, a de Luzia Torquez, uma negra escrava que conseguiu a sua alforria antes do fim da escravidão. Muito conhecida na cidade, vendia seu corpo para conseguir sobreviver.

Continua...



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