domingo, 14 de abril de 2013

O mundo dos negros em Ipu - Parte V



Um jantar brasileiro. 1827. Jean Baptiste Debret

O Escravo no espaço social

Os novos estudos sobre a escravidão têm enfatizado a capacidade de negociação dos cativos frente ao sistema opressor, colocando por terra a noção de passividade do negro e de coisificação. Era comum o escravo recorrer à justiça contra os castigos físicos impingidos por seus senhores. Os escravos faziam sua própria leitura da realidade e passavam a perceber que nela havia alguns mecanismos legais que podiam ser acionados a seu favor. Além das fugas, rebeliões, suicídios a que os escravos recorriam como forma de resistir à violência da escravidão, existiam outras práticas sociais buscadas por eles para minimizar a sua condição. Mesmo sujeitos as inúmeras limitações e imposições, eles lutavam pela construção de determinados espaços de autonomia e liberdade.
Embora os escravos fossem considerados mercadorias que podiam ser vendidas, eles eram passíveis de sentimentos, paixões, ódios, desejos e entendiam claramente sobre o momento de agir contra a sua condição de escravo e, assim, negociar com seus senhores espaços de autonomia. Quando isso não era possível, às vezes, as relações entre as partes tornavam-se conflituosas.
Em Ipu, poderíamos apresentar diversos exemplos que mostram muito bem o que estamos discutindo. O caso mais conhecido é o do enforcamento do escravo Estevão. Ao que tudo indica, era um cativo que tinha certa liberdade e era bem tratado. Pertencia ao Cel. Diego Lopes de Araújo Salles (que inclusive extraiu ouro de uma mina de Ipu, usando o braço escravo). Em maio de 1845, Estevão assassinou com uma cacetada e facada o seu feitor Manoel de Carvalho Guedes Mourão, fato que se desenrolou no sítio Conceição. Segundo os autos do processo, Estevão diz ter assassinado o seu feitor pelo fato deste tê-lo surrado, o que competia apenas a seu senhor.
O caso mostra que, embora fosse escravo, Estevão compreendia que não podia ser surrado nem mesmo por seu feitor, a menos que ele tivesse seguido ordens do seu dono. Este fato mostra que no entendimento de Estevão, ele poderia resistir se fosse castigado por alguém que não o seu senhor ou que não tivesse ordens expressas para isso.
Uma das estratégias encontradas pelos escravos para resistir ou suportar sua condição foi à constituição de famílias, embora as limitações imposta para isso fossem de ordem diversa. Há vários casos em Ipu que mostram que escravos e ex-escravos buscavam formar famílias como forma de resistência ao sistema ou mesmo viver uma vida mais digna, o caso do escravo Gabriel é um deles. Dentro das negociações existentes entre os escravos e seus senhores, casar-se representava ganhar mais controle sobre o espaço de sua moradia. Os inventários post morten constituem uma chave para se conhecer melhor o universo do escravo e suas relações afetivas e, sabemos, eles existem em Ipu e podem lançar olhares sobre a escravidão.
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