quarta-feira, 17 de abril de 2013

O mundo dos negros em Ipu - Parte VI (Final)




Espaços da diversão e religiosidade dos negros

No início do século XX as famílias abastadas de Ipu reclamavam e condenavam a existência de sambas realizados por pessoas de “baixa condição”. Estes sambas eram frequentados pelos afrobrasileiros, descendentes de escravos, mas também por mulatos, pardos e brancos pobres. Em todo o Ceará, os códigos de postura municipais proibiam os sambas, e a reunião de pessoas, em particular de escravos.
O bumba meu boi foi outra realização festiva que unia e reunia escravos e ex-escravos, citado por Eusébio de Sousa.

Escravidão em Ipu: um tema rico

O pelourinho da Vila Nova do Ipu Grande ficava no atual Quadro da Igrejinha. Lá estava o mercado de escravos. Qualquer senhor que quisesse vender, trocar ou comprar escravos rumava para aquele logradouro. Lá também era o local de castigos de cativos rebeldes e palco das execuções de pena de morte.
Lá estavam os símbolos do poder temporal e espiritual: a cadeia e a Igreja.
Foram utilizados escravos na extração de ouro de algumas minas de Ipu, nos engenhos locais, em serviços domésticos, na pecuária e na lavoura.
Em Ipu, cita Nertan Macedo, o Padre Francisco Correia era dono de escravos, e segundo Antonio Bezerra, possuía uma fábrica de moagem, possivelmente tenha sido um senhor de muitos escravos.
Os Bessa Guimarães, originários de Sobral, foram grandes proprietários de escravos. Da mesma forma, o foi o Cel. Diego Lopes de Araújo Salles, proprietário do negro Estevão. Diogo Salles, auxiliado por um mineiro conhecedor do ofício, vindo das gerais, extraiu, usando o braço cativo, 286 oitavas de ouro de elevado quilate das minas de juré. A extração do metal naquelas minas foi abandonada em função do assassinato do auxiliar do cel. Diogo por um de seus escravos. Isso se deu pela falta de pessoa habilitada capaz de dirigir os trabalhos
Muitas famílias ipuenses, ainda hoje, guardam a memória da escravidão. Histórias que passam de geração a geração. Ainda restam algumas casas no centro da cidade que atestam em seus porões as marcas da escravidão.
Roselany Rodrigues Tavares, em monografia sobre a escravidão em Ipu, levanta a questão de ter existido em São Mateus um quilombo, cuja memória foi cantada em música escrita por Zezé do Vale. Em um dos trechos de sua melodia diz: “Abre a tua porta nego, com ordem do delegado/Minha porta não se abre que pai João ta incomodado/(...) Pelo sinal da santa Cruz livre nos Deus./O barulho ta danado no quilombo do Mateus.         
O mito da mulher que virou cobra, por ter sido severa com seus escravos, atesta a riqueza do imaginário popular e a lembrança da escravidão. Reza a lenda que em meados do século XIX (provavelmente 1847) dona Ana Ferreira Passos, proprietária do sítio São Paulo e dona de muitos escravos, falecera. Algum tempo depois teria sido encontrada em seu túmulo uma imensa cobra. A cultura popular se encarregou em dar um tom profético ao ocorrido, alimentando a imaginação da população que longo associou o ocorrido à suposta perversidade com que a referida senhora tratava seus escravos. Aquilo, segundo o povo, teria sido castigo divino por seus maus tratos aos escravos que possuía. Muitas outras histórias lendárias, criadas pelo imaginário popular associam sempre de forma macabra a vida da “perversa” dona de escravos à imagem da serpente, sempre ligada a algo negativo, como na tradição bíblica.

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