sábado, 11 de maio de 2013

O famoso Cabaré do Ipu - parte II





O meretrício (cabaré) foi erguido próximo ao “curral do açougue”, onde eram abatidos os animais e ficava o matadouro e açougue da cidade. Era composto por quatro currais em quadro. Se de manhã se ia aquele local para a compra da “ração diária”, ir ao “curral do açougue”, à noite, tinha o significado da prática do sexo. Para lá diariamente acorriam os viajantes e rapazes sempre prontos e dispostos a mostrar e gastar os seus vigores.
Segundo o relato do tipógrafo à época, João Mozart da Silva, o meretrício era composto por “oito casinhas, rebocadas e caiadas, cobertas com telhas”. E era ali na zona do meretrício, do raparigal, da devassidão, na claridade da lamparina a querosene, que a rapaziada da época tinha, muito provavelmente, sua primeira experiência sexual.
Segundo ainda o seu relato: Cada um dos rapazes da época possuía sua lanterna a pilha. Todas as noites, infalivelmente, saíamos do bilhar e padaria do Zé Padeiro, que ficava vizinho da alfaiataria do Lopes, e próximo à farmácia do Edgard, no rumo do que se chamava “zona”. Era uma esticada direta, subindo até chegar ao batente da primeira casa. A ronda era geral, principalmente nas terças e sexta-feiras, os dias dos trens que procediam de Camocim, chegando à Estação de Ipu às quatro da tarde. (SILVA, 2005, p. 101.).      
O surgimento do cabaré é fruto, em parte, do controle da qual foram alvo as prostitutas. Todas elas, ou pelo menos a maioria delas, passaram a ter uma ficha na polícia, condição de possibilidade para exercem seus ofícios, e tiveram sua circulação controlada nas principais ruas da cidade. Foram fixados, por exemplo, horários e estabelecimentos comerciais em que poderiam comprar suas mercadorias. A não obediência a essas regras era punida com uma possível detenção ou outra represaria.
A prostituição no município é, para os grupos abastados de Ipu, um caso de polícia. As reclamações e as cobranças ao poder público quanto ao controle das meretrizes têm como argumentos salvaguardar a boa moral pública e os “bons costumes” das famílias locais.
            As meretrizes, antes do surgimento do Cabaré, faziam ponto no mercado público da cidade, o local mais movimentado.  
            O mercado público é uma edificação em quadrilátero, construído ainda no final do século XIX, bem na área mais central da cidade, tendo ao sul a Igrejinha, onde em sua volta ergue-se o casario das famílias abastadas; a seu oeste, a poucos metros de distância, ficava a Casa de Câmara. Em seu térreo funcionava a cadeia e o destacamento policial (quartel), e no pavimento superior, a Câmara Municipal; ao norte, também bem próximo, ficava a nova Igreja em construção e, por fim, para o leste estava ligado à estação do trem por duas largas e regulares ruas.
Muito comum nas cidades interioranas do Ceará, é formado por “quartos de comércio” com quatro entradas centrais, uma em cada lado, que dão acesso ao seu interior. Existia um funcionário que “ao cair da tarde”, quando os estabelecimentos comerciais cerravam suas portas, era encarregado de fechar os seus portões.
            Prostitutas – além de “mulheres simples”, crianças e pedintes - ficavam nas entradas do mercado, o que incomodava principalmente as chamadas “famílias ilustres”, aquelas mais abastadas do lugar, que buscavam distinção pelo trajar e pelos modos “requintados”. Incomodava porque era, em primeiro lugar, uma cena “imoral”, ia contra seus valores. Chocava às senhoras e senhoritas que deveriam ser resguardadas dessas “imoralidades”. Os relatos da época dão conta de que as meretrizes usavam vestimentas que deixavam aparecer seus dotes físicos como forma de seduzir. Ofereciam seus serviços abertamente a quem pudesse pagar por eles.
            Incomodava, em segundo lugar, porque aquilo era, em si, uma “imundície”. Prostitutas com poucas roupas, algumas maltrapilhas, outras alcoolizadas, eram alvo de chacota para os populares. Aquilo, aos olhos daqueles que sonhavam com uma outra cidade, objeto de desejo, devia ser banido do espaço público, sobretudo da região mais central e uma das mais movimentadas da cidade.
            Finalmente, aquela cena chocava uma sociedade que era, em sua essência, extremamente católica, religiosa. Aquilo era um chamamento à orgia, representava o fim dos tempos. Era preciso extingui-la sob pena de ser castigado pela providência divina.

Continua...

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