segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Morrer aos poucos



Nas cidades não observo apenas os monumentos, prédios antigos, ruas, traçados. Observo também as pessoas. Às vezes procuro ler seus rostos, imaginar as histórias que têm para contar, as decepções que já viveram e os sonhos escondidos numa testa franzida, nas marcas das rugas, na beleza da pele lisa.
Hoje uma cena espetacular, de um operário, em sua hora de almoço, sentado à mesa, almoçando, evidentemente, me fez refletir profundamente sobre a existência. O que há de excepcional nisso? Nada! Quer dizer, nada não fosse a cena. O local? Centro histórico do Recife. Voltava de meu tour turístico, para o hotel: um trecho de aproximadamente 15 quilômetros, mais ou menos, percorrido em quase duas horas, num trânsito infernal. Vi a cena, em pé, de dentro de um ônibus lotado.
Lá estava o operário, sentado à mesa. Vestia um macacão grosso, botas sete léguas, capacete e um pano, embaixo dele, que caia de sua cabeça, usado para se proteger do sol, deixando descoberto apenas o rosto. Usava ainda óculos de proteção e luvas. Sobre a mesa, uma bacia: dentro pude ver: feijão “magassa”, como se diz aqui, arroz, cuscuz e muita carne com legumes cozidos, tudo bem oleoso. Havia um copo e uma garrafa com suco. O operário comia vagarosamente, levando a colher do prato para a boca repetida e incessante vezes, de cabeça baixa, indiferente ao mundo em sua volta.
O operário estava no local de uma obra. Esta era protegida por tapumes de madeira de um lado e outro, entre duas vias de intensa movimentação de veículos automotivos,com duas ou três faixas cada uma: uma pista que levava ao centro histórico e outra que saia dele. O engarrafamento era enorme: um som ensurdecedor de buzinas de automóveis e motocicletas, de sirenes de ambulância e carros da polícia e o burburinho das conversas davam o tom da cena. Lá do ônibus observava as pessoas apressadas, com caras de poucos amigos, ciclistas desviando dos carros, vendedores ambulantes gritando, guardas tentando organizar o desorganizado trânsito, e pessoas discutindo. E eu estava dentro do ônibus lotado, num calor daqueles. Imagine! 
Indiferente a tudo isso, lá estava o operário! Parecia feliz. O mundo em sua volta era um inferno, mas ali, protegido, parecia estar no paraíso. Ninguém reparava nele e nem ele ligava para o mundo: as preocupações das pessoas as consumiam. Nada, nesse mundo selvagem, seria capaz de chocá-las. Para elas, tudo parecia tão normal! Para mim não!
Quando vi o operário, pela primeira vez, imaginava comigo mesmo que viver diariamente na cidade nas condições que estava seria morrer lentamente, a cada dia. Mas eu mudei de ideia.  Se as pessoas encarassem a existência como aquele operário, seriam capazes de enfrentar tudo e viver bem em meio ao turbilhão do nosso mundo. O que nos faz viver ou morrer são as nossas expectativas, sonhos de grandeza, enfim, nossa maneira de encarar o mundo. Se nossos sonhos e expectativas são grandes, sofremos se não os conquistamos. No entanto, e paradoxalmente, não precisamos de muito para viver bem.
O operário nos ensina, como tantas pessoas. Basta observá-las.
Recife, 13 de novembro, de 2013.
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