sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Imprensa e cidade: o jornalismo no início do século XX em Ipu-Ce. Parte III



Eusébio de Sousa. Acervo: Prof. Melo
Entre 1904 e 1913 deu-se um interregno na imprensa ipuense e nenhum jornal foi impresso. Somente em março de 1913 surgia um novo semanário com características novas. Trata-se da Gazeta do Sertão, fundado e dirigido pelo, então, estudante de direito, Leonardo Mota, que veio para o Ipu por intermédio de seu irmão, Aureliano Mota, pároco local, para dirigir o Instituto José de Alencar. Colaboraram em suas páginas Abílio Martins, líder político e bacharel em direito, com sua verve poética, sob o pseudônimo Kiamil, o padre Aureliano Mota, Dr. Ubaldino Maciel Souto Maior, futuro juiz de direito da Comarca, Eusébio Neri de Sousa, então juiz de direito, o francês, professor e agrimensor, Leonard Martin, Thomaz de Aquino Correia e José Oswaldo de Araújo, este advogado e filho do Cel. José Lourenço de Araújo. Segundo Oswaldo Araújo, a “Gazeta do Sertão marcou uma brilhante fase jornalística no interior do Estado pelo prestígio e fascínio de sua orientação”[1]. Para Eusébio de Sousa, “o período em que se publicou a Gazeta foi o de maior efferverscencia nas lettras da terra pelo abundante contigente, que ella offereceu para a historia” [2].
Embora em nossa pesquisa não tenhamos encontrado nenhum exemplar dos jornais publicados em Ipu antes da Gazeta do Sertão, para, assim, se fazer uma comparação entre eles, no entanto, a qualidade do papel, da impressão gráfica e da composição, deste último, salta aos olhos e dificilmente outro jornal desse porte teria sido impresso anteriormente. Além disso, o uso de reclames e propagandas bem elaboradas eram novidades para época. Sempre a última página do periódico era reservada para as propagandas. Embora a técnica tipográfica usada não permitisse incluir gravuras ou imagens ao lado dos textos, se fez uso delas para os anúncios. A questão é que o comércio local e regional, em profusão, descobriu a importância da propaganda como forma de expandir o consumo de seus produtos. Desde então, como mostra Heloisa Faria Cruz, as novas demandas colocadas pelo mundo das mercadorias passaram a moldar os conteúdos e as formas de dizer da imprensa. Era uma outra linguagem[3]. Ao lado disso, o uso de reclames e dos anúncios mais bem elaborados nas páginas do periodismo, em nosso caso, dos jornais, se tornou um componente importante para a manutenção e expansão da pequena imprensa local. O Correio do Norte, filho da Gazeta e que, portanto, veio depois dela, herdou este componente importante. Podemos dizer que o Correio nada mais foi do que o jornal Gazeta com algumas modificações. Ambos foram usados pelos mesmos homens, em quase sua totalidade, e com linhas editoriais similares, inclusive em seu formato técnico.
A Gazeta do Sertão era impressa em Sobral, na tipografia do jornal Patria, de propriedade de Carlos Rocha, em papel folio com quatro páginas. Eventualmente se publicava a edição com 6 páginas, mas essa não foi a regra. A linha editorial seguia, quase sempre, um padrão. Dividia o espaço da primeira página um artigo geralmente longo, que se chamava na época, “artigo de fundo”, discutindo as questões pertinentes à política nacional - com destaque para notícias do parlamento, para o processo de sucessão presidencial e as manobras políticas dos partidos – uma poesia de um escritor cearense consagrado ou de um jovem iniciante neste ramo, e uma crônica leve, com uma pitada de inteligente humor, escrita por Abílio Martins[4].
Vejamos o que diz Francisco Magalhães Martins sobre Abílio Martins, reportando-se àquele que escrevia na Gazeta do Sertão: “Abílio Martins possuía transbordante verve, inesgotável veia satírica que extravasava em geniais versos soltos”. Sobre os demais que “mancharam” as páginas daquele periódico em 1913, diz ainda o citado autor:

 Souto Maior, magistrado ilustre, era um causeur admirável que empolgava os auditórios com as palavras mágicas, fluentes e imaginosas, a ponto de ser considerado por Leota como o homem de a melhor palestra que conhecia; Tomáz Correia, venerando farmacêutico, músico, poeta, amigo das boas cousas e da boa prosa; gostava de bate-papos em sua casa[5].

Também Eusébio de Sousa deixou testemunho interessante sobre aqueles que escreviam na Gazeta do Sertão:

Hebdomandariamente as suas columnas trasiam um attestado exhuberante do fervet opu intellectual. Suas páginas vinham sempre prenhes de escriptas de Abilio Martins (Kiamil), como elle assignava as suas chronicas, Souto Maior, Apollonio de Barros [juiz de direito de São Benedito], Leo Martin e outros, inclusive a parte insulsa do autor destas linhas[6].



Continua...


[1] Id. Ibidem, p. 163.
[2] SOUSA, Eusébio. Um pouco de Historia. Op. cit., p. 228.
[3] CRUZ, Heloisa de Faria.  São Paulo em tinta e papel. periodismo e vida urbana (1890-1915). São Paulo: EDUC: APESP; Arquivo do Estado de São Paulo; Imprensa Oficial de São Paulo, 2000, p. 151.
[4] SOUSA, Eusébio. Um pouco de Historia. Op. cit., p. 228.
[5] MARTINS, Francisco Magalhães. Ídolos, Heróis e Amigos. Op. cit., p. 53-54.
[6] SOUSA, Eusébio. Um pouco de Historia. Op. cit., p. 228.
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