sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

A elite do atraso (parte 1) - Ler para entender o Brasil (1)



Iniciamos hoje uma nova seção intitulada “ler para entender o Brasil”. Não começaremos pelos clássicos, tão citados quando o assunto é entender a singularidade de nosso país, como Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, mas por um livro publicado recentemente, intitulado provocativamente de A elite do atraso: da escravidão à lava jato, de Jessé Souza, sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC. 
Por que começar assim? Ora, em primeiro lugar, porque quem escreve a coluna aqui sou eu e, claro, resolvi fazer diferente. Se quiser fazer de outra forma, escreva um texto, faça um blog, e publique! Também não precisa se zangar, é só uma brincadeira. Em segundo lugar, o livro de Jessé Souza, ainda que não concordemos com suas principais conclusões, ajuda a entender como se construiu um projeto de nação excludente e que culminou com a realidade dramática do Brasil atual. Como entender um embate simplista entre uma pretensa direita e esquerda? Como entender a atual polarização de ideias e propostas, sem cair no ridículo? Como entender a imbecilidade, idiotice e bizarrice, da maioria, daqueles que escrevem nas redes sociais de ambos os lados?
O livro ajuda a entender tudo isso e um pouco do despedaçado Brasil.
Por tudo isso, comecemos por este instigante livro. Se não quiser lê-lo, não leia. Se leu o que escrevi até aqui, por que não ler o resto? A decisão é sua, portanto.

 A elite do atraso 


A elite do atraso, livro de Jessé Souza, lançado em outubro de 2017, foi escrito para contestar e rebater uma interpretação do Brasil que, segundo o autor, é ainda dominante e que seduziu tanto a visão política da direita quanto da esquerda. Tal interpretação tem como base o clássico Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, que, influenciado pela análise sociológica de Gilberto Freyre, e invertendo sua lógica, teve continuidade com Raymundo Faoro, Roberto da DaMatta, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros.
            O autor chama a interpretação iniciada com Sérgio Buarque de Holanda de culturalismo conservador. Este teria partido da perspectiva de que a corrupção no Brasil está no Estado e que teria herdado seus valores da nossa formação ibérica. Tal leitura, para Jessé Souza, é um embuste e serve a dominação de classe. Ela teria ajudado a difundir a ideia de que a corrupção política seria o grande problema nacional, herdado especialmente de nossa formação ibérica, e que teria ajudado a sedimentar a nossa “síndrome do vira-lata.
            Portanto, Sergio Buarque teria iniciado uma leitura do Brasil que acabou servindo a legitimação de uma dominação cruel e que se tornou naturalizada, aceita como verdade evidente e não refletida. O autor ataca três eixos da dominação: em primeiro lugar, a suposta e abstrata continuidade com Portugal e seu “patrimonialismo”, como semente da sociedade desigual e excludente. Em segundo lugar, analisa como a classe dominante construiu um discurso que permitiu naturalizar os privilégios de classes, mas que, na verdade, são produzidos socialmente. E, por último, mostra como atualmente se construiu uma aliança, em conluio, entre a grande mídia e a Lava Jato, que permite perpetuar a desigualdade e a exclusão.
            Jessé Souza propõe, portanto, neste instigante livro, demonstrar como se construiu a noção, falsa, de que o grande problema do Brasil está na corrupção da política. Busca desvelar como se dá a dominação no Brasil com o objetivo de esconder o nosso real problema, já que serve muito bem aos donos do poder e à classe média. O problema do Brasil, esclarece, não está nesse embuste, mas em outro lugar. No entanto, as forças que construíram o nosso atraso são tornadas invisíveis para que possa, de forma mais eficiente, exercer o poder real. É essa dominação velada que o autor propõe desmascarar.

            O grande sucesso da construção narrativa de Sérgio Buarque de Holanda seria resultado, de um lado, do fato de ele ter construído uma narrativa totalizadora como as das religiões, que não deixam margem a lacunas e dúvidas, e, de outro lado, tal narrativa teria servido perfeitamente a dominação oligárquica e antipopular com a aparência de estar fazendo crítica social.

Continua...
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