sábado, 23 de janeiro de 2016

O livro didático de História: uma reflexão - Parte II





A principal questão a ser levantada, no entanto, diz respeito à concepção de história veiculada pelos livros didáticos. Embora avanços tenham sido notados no últimos anos, ainda são marcantes as lacunas e descompassos entre os novos paradigmas historiográficos e o que se vincula enquanto conteúdo dos manuais didáticos de História. Ele continua com um forte caráter alienador, já que se constitui em canal de transmissão e manutenção de mitos que povoam a história ensinada.
Pesquisas recentes têm demonstrado que a perspectiva de abordagem tradicional ainda é dominante na maioria dos manuais, com uma dimensão meramente informativa e que não valoriza o conhecimento histórico em seu aspecto construtivo. As narrativas são organizadas com base em recortes já consagrados, as fontes ganham caráter mais ilustrativo e não são exploradas numa dimensão que aproxime o aluno daquilo que preside o procedimento histórico. Nesse sentido, uma concepção de verdade pronta e irrefutável preside a obra. Em geral, as coleções que integram esse subconjunto mantêm coerência com a visão processual e evolutiva do tempo e das sociedade e não rompe com a clássica divisão eurocêtrica. Nesse sentido, coloca-se excessiva ênfase nos fatos e não na reflexão, perpetuando uma perspectiva enciclopédica, acumuladora de conteúdos, factual, portanto.
Isso se dá, porque há muitas vezes uma distância entre a produção acadêmica e a confecção dos livros didáticos. Estes, muitas vezes, não incorporam ou demoram a incorporar a produção no campo.
É preciso ter em mente que a narrativa não se confunde com o recorte de tempo estudado, pesquisado. A lógica da narrativa, como tem demonstrado Michel de Certeau e Keith Jenkins, é pertinente ao tempo de sua produção, o presente do historiador, e não ao tempo original do acontecimento. Nesse sentido, é preciso considerar o caráter construtivo da narrativa, cuja cientificidade não é dada pela busca da verdade, mas pela “operação historiográfica”, pela metodologia empregada na pesquisa. Os manuais didáticos, em sua grande parte, ao não incorporarei essa noção, própria do campo da história, estabelecem narrativas que se colocam como o próprio passado, cristalizando verdades não passíveis de discussão.
Nesse sentido, a maior parte dos livros didáticos de História não incorpora as revisões derivadas dos estudos contemporâneos no campo da pesquisa
            Ao analisar o livro didático como ferramenta que auxilia na qualidade do ensino básico, percebe-se pelo menos duas grandes vertentes sobre a concepção que deve nortear a sua produção. De um lado, estão aqueles que defendem que o manual pedagógico deva organizar o estudo do passado tendo como base levar ao entendimento do presente. Dito de forma diferente, o estudo do passado deve se justificar para levar o aluno a entender o mundo contemporâneo. Daí, deve-se se buscar, por exemplo, entender a democracia moderna, recuando à Grécia antiga onde o conceito nasce. 
           De outro lado, há aqueles que defendem que o estudo do passado deve ser feito por si mesmo e não simplesmente buscando entender as questões do mundo contemporâneo, como forma de compreender a lógica de organização das sociedades longínquas em seus próprios termos. Defendem que estudar o passado com base apenas nas questões do presente pode levar a incompreensões, não descartando, portanto, a possibilidade de se fazer comparações, o estabelecimento de permanências e rupturas no longo processo histórico. Essa atitude é defendida, sobretudo pelos estudiosos das sociedades longínquas, como a antiguidade, cuja lógica de organização só pode ser compreendido por sua cultura.
            Por isso, o livro didático deve ser encarado pelo professor como um recurso e não um meio pelo qual o ensino-aprendizagem se realiza. É preciso recuperar o papel do professor no processo educativo, e colocar o livro didático como um instrumento auxiliar e não como direcionar do ensino-aprendizagem, da perspectiva pedagógica e do currículo.

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