Os Retirantes - quadro de Cândido Portinari
O medo
Essa grande leva de retirantes que acorreu para o município de Ipu em
busca do Campo deixou aflita e apreensiva a população local, em especial as
classes mais abastadas, afinal, em menos de um ano a população urbana havia
mais que duplicado. Essa invasão gerou expectativas e aterrorizou os habitantes
da cidade. O medo dos saques, no início foi uma constante, pois chegavam à
região as notícias deles na capital e no interior.
Diante disso, desde o início a
preocupação maior das autoridades foi com o controle e disciplinamento dos
retirantes. A assistência só era feita no interior do Campo. Havia vigilância
permanente. Uma vez assistidos havia uma preocupação em manter os flagelados no
“curral”, para que estes não atingissem a área urbana da cidade. A própria
localização do Campo distante do centro facilitava a vigilância e o controle. Mesmo
assim, não raras vezes, muitos famintos atingiam o centro da cidade.
O medo das revoltas e dos saques,
das “doenças” e da “criminalidade”, da “mendicância”, dos “desvios morais”, da “prostituição”
que agride o “pudor das senhoras” e “senhoritas distintas’, levou o poder
público, pressionado por grupos de pessoas abastadas, a adotar estratégias de
confinamento e controle dos “indesejados”.
Todo um aparato político-administrativo, religioso, policial e médico
concorreram para a execução desse receituário, visto serem eles mesmos os
representantes das “elites”.
O policiamento e a vigilância nos Campos eram ostensivos. O movimento dos
flagelados era vigiado constantemente. Dos Campos só poderiam sair,
teoricamente, com a autorização dos inspetores. A Igreja católica, também se
fazia presente. Além de levar aos miseráveis o conforto da palavra de Deus,
reforçava a vigilância e o controle dos famintos. Deveria torná-los mais
obedientes e dóceis. “Os pobres não se maldiziam, não se revoltavam, mesmo
porque o padre dissera no sermão que ali proferira, à hora da missa campal: -
‘Todos se confortassem com a vontade de Deus. São Sebastião livraria da peste.
Aquela seca era para purgar os pecados. Mais difícil era um rico entrar no céu
que um camelo passar no fundo de uma agulha’. E eles chegavam a acreditar,
achando que havia compensação na sua pobreza – e nunca se revoltaram”, anotou
Magalhães Martins.
No Campo do Ipu o vigário Monsenhor Gonçalo Lima, semanalmente, celebrava
missas, casamentos, batizados. Ali foi erguida uma capela, onde o padre
celebrava os cultos religiosos para a “cidade dos pobres”.
O saber médico também estava presente no Campo de Concentração. Todos que
chegavam deveriam ser vacinados. Havia uma preocupação com a vacinação
constante dos assistidos. Embora a vacinação fosse obrigatória, muitos, não
acostumados, resistiam. Também havia uma preocupação muito grande com as
condições de higiene, como vimos. Não obstante, as epidemias não foram
evitadas. O tifo, a “desenteria”, o sarampo e outras doenças ceifaram muitas
vítimas.
Todo um aparato coercitivo era justificado pelo medo que as aglomerações
de retirantes geravam na população. As doenças contagiosas era um dos espectros
que rondavam os “currais” dos “bárbaros” e aterrorizava as classes dominantes.
Seu combate tinha que ser incessante sob pena de extrapolar os “muros” do Campo
e atingir as famílias “distintas”. Havia
no Campo do Ipu uma média diária de seis a sete mortos. Só entre abril de 1932
e março de 1933 registraram-se, de acordo dados de Kênia Rios, mais de 1.000
mortos.
Saiba Mais
ARAÚJO, Raimundo
Alves de. Ipu: Da Ocupação do Espaço
Urbano ao Campo de Concentração. Monografia de graduação do curso de
história da UVA. Sobral, 2003.
RIOS, Kênia Sousa. Campos de concentração do Ceará: isolamento
e poder na seca de 1932. Fortaleza; Museu do Ceará / Secretária de Cultura
e Desporto do Ceará, 2001.
NEVES, Frederico de Castro. A multidão na história: saques e outras
ações de massa no Ceará. Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense.
Tese de doutoramento, 1998.
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