Deputado Marco Feliciano. Fonte: google.com.br
O pastor da Igreja Assembleia de Deus, deputado Marco Feliciano (PSC-SP), foi
eleito pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados para presidir
o colegiado. O fato chocou o país e levou a protestos por sua renúncia. O pastor-deputado,
em muitas declarações, atacou negros e homossexuais. Por várias vezes, no
Twitter e em cultos, declarou que o continente africano era amaldiçoado, que os
africanos eram descendentes de Cam, amaldiçoado por seu pai, Noé.
Essa mesma interpretação foi dada
pela Igreja Católica no limiar da Era Moderna e não é original em nada.
Enquanto esta foi usada para justificar a escravidão negra, aquela defendida
pelo pastor é uma justificativa para o seu impregnado racismo.
Na Idade Moderna, a Igreja Católica foi braço do poder político, e uma
das bases de sustentação das monarquias europeias. Com a expansão marítima,
tais monarquias deram início à colonização de territórios fora de seus reinos e além-mar.
Na exploração das colônias, adotaram o trabalho escravo e africano. A Igreja,
por sua vez, condenava a escravidão, mas não tinha força política para combater
as monarquias. Diante do impasse, foi buscar na Bíblia justificativas para
isso. Segundo a interpretação de muitos clérigos, daquela época, os africanos
seriam ora descendentes de Caim ora descendentes de Cam. Pela narrativa bíblica
Caim foi, por sua ingratidão e por matar seu irmão, Abel, amaldiçoado por Deus,
expulso do paraíso. Ainda, carregaria uma marca inconfundível do pecado. A
Bíblia não diz que marca é essa. Logo os Clérigos passaram a defender que Caim
teria ido para a África e a pele negra seria esta marca.
Em outra interpretação, os africanos seriam descendentes de Cam, filho de
Noé. Pela narrativa bíblica, Cam teria visto seu pai nu, embriagado após beber
vinho (Noé cultivava vinhas). Ao invés de cobri-lo, como dizia a tradição,
teria rido e contado o episódio para seus irmãos. Mais tarde, ao descobrir o
ocorrido, Noé expulsou Cam de seu lar, maldiçoando-o e a seus descendentes.
Na idade moderna, alguns clérigos, portanto, na ânsia de justificar a
escravidão, passaram a defender que os filhos da África, apontada como novo lar
de Cam, seriam, portanto, amaldiçoados. Mas, nestas justificativas, havia uma
saída para o povo africano. Apenas a escravidão, uma vida de sacrifícios e
resignação, seria capaz de redimi-lo. Nesta ótica, a escravidão era algo bom e
não ruim para os africanos, uma vez que, somente por ela os escravos apagaram a
“mancha” (“cor da pele”) do pecado. O Brasil, por exemplo, seria, nas palavras
do Padre Antonio Vieira, o purgatório dos negros. Como o ato de purgar o
açúcar, processo que tira suas impurezas, a escravidão purgaria os “pecados”
dos negros, dando a eles a possibilidade de salvação e vida eterna.
Ora, isso não passa de “ideologia”, uma justificativa capaz de redimir a
Igreja, daquele momento, do mal de permitir a escravidão. É preciso esclarecer
que nem todos os clérigos aceitavam a escravidão, mas o posicionamento oficial
da instituição prevaleceu.
A África não foi amaldiçoada por Noé (uma narrativa mitológica que deve
ser compreendida em sua figuração, como ensinamento, alegoria). Nem este
amaldiçoou os africanos. O que ocorreu foi que os homens, que estavam à frente
das instituições, para defender os seus interesses, interpretaram a Bíblia da
maneira como lhes convinha.
Não creio que Marco Feliciano acredita nisso, no que ele disse. Ele é uma pessoa esclarecida, apesar de seu posicionamento condenável. Creio que ele apenas foi buscar uma
justificativa para o seu racismo.
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, opinião e sugestões. Um forte abraço!