Por: Emanuel Sousa – o poeta do absurdo
Ipupolândia
orgulha-se de sua suposta “cultura letrada”, de sua Academia de Artes e Letras,
de seus artistas e intelectuais que discutem de tudo, sem nada de novo dizer
(são papagaios repetidores). Orgulha-se também de sua política dominada por vampiros,
jumentos, cachorros e cavalos aproveitadores e inescrupulosos. E é justamente na
política que Ipupolândia se sobressai mais: há vampiros analfabetos e parasitas
da máquina pública ocupando todos os cargos e funções municipais; da prefeitura
ao legislativo; do legislativo ao magistério; do magistério à saúde; da saúde à
cultura; da cultura ao executivo, todos os postos de poder da cidadezinha vampirizada
estão ocupados, desde que o mundo é mundo, por homens e mulheres vampiros com
almas de animais e de insetos invertebrados e rastejantes.
Já
a população da cidade é um caso a parte: desde que fora lançada a “Maldição da
jumentice aguda” e do “vampirismo crônico”, Ipupolândia dorme o sono profundo
dos povos indolentes e idiotas, sendo sugada por sua classe política parasita e
pelos homens de poder e prestígio do lugar (comerciantes e empresários
igualmente parasitas). A cidade, tendo suas tetas desejadas pela boca sedenta da
multidão de vampiros, igualmente parasitas, que a habita, vive uma crise de
poder, pois não há ninguém confiável que possa preservar as benesses do lugar,
sem também sugar-lhe as tetas magras.
Na
cidade, todos vivem eternamente com sono; todos têm sono para estudar, para
trabalhar, para pensar, para ler, para falar etc., como se estivessem
eternamente saindo de uma noitada mal dormida, numa farra sem fim, ou sofrendo de
uma doença mental agravada por uma verminose aguda. Os alunos não querem
estudar, os funcionários públicos não querem trabalhar, os médicos não querem
clinicar, os políticos não querem administrar, ou porque já estão fartos do
sangue que já fora sugado da máquina prefeitural e das demais instituições
públicas, ou porque estão famintos e anêmicos por consequência da abstinência prolongada
pela falta do precioso líquido prefeitural em suas bocas.
Desde
que o mundo é mundo, Ipupolândia vegeta ao sol, como um cemitério de vivos,
cheia de soberba por se achar importante, pois é “terra culta e letrada”, mas
governada por vampiros analfabetos. E para qualquer viajante que a vê numa
manhã de feira, um mistério insondável ronda a cidadezinha paupérrima e atarracada:
de onde vêm as frutas, as mercadorias e o dinheiro que movimenta a economia
deste vespeiro humano chamado Ipupolândia? De onde vêm a riqueza e a gordura
dos homens que ocupam os maiores e melhores cargos da cidade? De onde vem o
fausto e o poder das famílias tradicionais do lugar? A maioria das pessoas
parece sonâmbula aos olhos do visitante casual, e vive na vida como se vivesse na
morte: dormindo ou acordados só pela metade, a perambular pelas ruas tortas como
mortos-vivos, ou como zumbis cambaleantes. Ali todos são vampiros e estão
sedentos e adormecidos, com suas almas de animais e de insetos rastejantes,
eles vegetam nas ruas, como se dormissem, ou se estivessem mortos. Dizem que o
sono fora oportunizado pelo feitiço de uma malta de magos poderosos: os
prefeitos em suas eleições sucessivas, especialistas em mentira, embromação,
suborno e todo tipo de patifaria fortuita. Mas isso não é verdade, pois a letargia tem
sua origem na escassez de sangue prefeitural, ou na anemia de recursos daí
decorrentes. A anemia fora a argamassa que soergueu a cidadela, que modelou seu
esqueleto, sua dinâmica, sua alma. E é pela e para a anemia que a economia da
cidade vive, e morre.
O
viajante fica chocado ao saber que além de serem vampiros e de estarem com um sono
sem fim, muitos homens na cidadezinha (a maioria do povo e das autoridades
legalmente constituídas) têm a alma de animais irracionais: os vereadores têm
alma de porco, ou de burro, ou cavalo. Mas há ainda os vereadores que têm alma de
raposa, cachorro ou de jumento. Já a grande maioria dos prefeitos – de ontem e
de hoje – têm uma alma híbrida, um misto de alma pavão, cachorro e urubu. Fora
o caso do vampiro Zé-Propina, do Vampiro Torres-faudal, e do Vampiro “Sálvio
Passagem-Molhada”. Todos eles especialistas em manipulação de erários, em
cooptação de adversários, em intimidação de rivais pela força avassaladora da
propina e do dinheiro sujo.
As
pessoas do povo têm almas de cachorro vira-lata, de rato, barata ou mesmo de outras
espécies de animais venenosos e peçonhentos, como morcegos, urubus, cobras,
lacraias e cupins. Estas pessoas, assim como os vampiros do topo da pirâmide, devoram
tudo o que podem do erário e são insaciáveis, comendo de tudo, desde cimento,
telhas, dentaduras, tijolos e ferragens em geral. Estes vampiros pobres e
sedentos recebem dos vampiros-mores, os prefeitos e seus lacaios sem entranhas
(também chamados de vereadores-sanguessugas ou homens-morcegos) as propinas por
seus votos nas épocas festivas das eleições (e é graças a estas propinas que as
dinastias de vampiros ilustrados se revezam no poder, sugando, com suas
clientelas, como carrapatos num boi, a mesma máquina prefeitural anêmica). Em
geral os homens do povo são estúpidos e idiotas e só vivem para saciar suas
taras mais elementares, como sexo, bebidas, jogos e os vícios da gula,
reelegendo sempre outro vampiro das mesmas dinastias, ao posto de prefeito-vampiro-mor.
Já
a elite pensante da cidade – os homens que escrevem, que comercializam ou que
administram – têm alma de pavão, raposa, carrapato, morcego ou serpente. São reptilianos
estéreis e vazios, como múmias ressequidas ou como zumbis sedentos, se agarram
a seus postos e cargos e são capazes de trair a própria mãe para preservarem o
poder e o prestígio. Gostam muito de andar em carrões e em motocicletas
potentes, como Hilux, Chevrolet, Savero e outras marcas importantes e
importadas. Estúpidos, mas luxuosos, isso lhes faz se sentir importantes, como
se fossem uma classe de homens superiores aos estúpidos da base da pirâmide. Dizem
as más línguas – as línguas daqueles poucos que estão acordados – que a elite
da cidade, assim como sua classe média, é formada por uma malta de mortos-vivos
que vivem a sugar as verbas e as benesses públicas, e que vivem e morrem
agarrados ao couro da máquina pública, como carrapatos num boi. Que sem essas
verbas estas elites e essa classe média deixariam de existir, ou regrediriam à
condição de vampiros-pedintes, da base da pirâmide social. Suas riquezas e seus
poderes nasceram justamente da capacidade de administrarem as migalhas públicas
que vêm para a boca sedenta de sua paupérrima população. Há homens que os
denunciam como vampiros, sanguessugas, morcegos e cupins. Mas ninguém lhes dá
ouvidos, e eles continuam a fazer o que sempre fizeram: os vampiros ricos e
privilegiados (os que mamam na prefeitura), e os vampiros pobres e/ou
desprivilegiados (os que por ora não estão mamando), numa dança frenética sem
fim, ora esperando a sua vez para mamar, ou esmurrando a boca de um mamador
contumaz, ou ora lutando desesperadamente para garantir que a teta da máquina
esteja bem firme em sua garganta, lutam desesperadamente entre si, como cães
selvagens sobre a carcaça exangue da máquina prefeitural falida na vã esperança
de multiplicar suas fortunas, ou de alimentar condignamente suas clientelas.
A
população é sonâmbula graças à abstinência, e sonha com o dia em que poderá
também ela sugar o sangue precioso de sua anêmica máquina prefeitural. Sim,
meus amigos, em Ipupolândia, a população também é formada por vampiros (ou será
por carrapatos?), e sonha com o dia em que também poderá ela cravar suas presas
magras na carne macia da máquina pública falida: “- Uma nomeaçãozinha na saúde,
ou na educação, seu prefeito, pelo amor de Deus!” E assim levam uma vida de
pedintes, mesmo os habitantes mais esnobes e faustos, ora dormindo, ora
acordando, ora mamando, ora jejuando...
Numa
cidade formada por vampiros famintos poderia ser diferente?
Meu caro Vitorino. Você arregaçou o verbo foi com gosto. Amei o texto e já vou compartilhando. Parabéns pela análise profunda e verdadeira sobre essa sociedade de mortos-vivos que se aguenta nesta cidade. Espero outros textos. Parabéns.
ResponderExcluirInfelizmente o texto não é meu. É do poeta Emanuel Sousa.
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