Podemos dizer que o romance
clássico moderno, 1984, de George Orwell, é, de um lado, uma
espécie de denúncia dos rumos que o futuro da humanidade poderia tomar no
pós-Segunda Guerra Mundial. Expressa o medo de que a busca pelo poder econômico
e a influência política sobre o mundo, levassem as potências do pós-Segunda
Guerra à construção de regimes políticos monstruosos, ainda piores do que os
totalitarismos nazifascistas e soviético. De outro lado, expressa a angústia de
que, caso o mundo não mudasse seu rumo, estaríamos fadados a um sistema em que o
homem perderia suas qualidades humanas, tornar-se-iam criaturas sem alma, máquinas
que trabalhariam como autômatos.
O romance foi publicado em
1949. O mundo vinha da experiência de duas grandes guerras e dos
totalitarismos. Viver numa Europa que foi palco de tantas atrocidades, levou
Orwell à percepção de que o futuro era algo muito incerto e aterrador. Em 1984,
ele expressou toda a sua angústia e medo com os rumos que a história da
humanidade tomaria dali para a frente. Os horrores não eram algo que pudessem
ficar só no passado. Tão logo as potências vencedoras da Segunda Guerra organizaram
o mundo, partilhando o butim, deram início a um novo conflito que, naquele
momento, parecia ser mais destruidor e que recebeu, mais tarde, o nome de
Guerra Fria, opondo dois sistemas econômicos, políticos, sociais e ideológicos.
Visto no contexto em que foi
escrito, 1984, não é, em absoluto, um absurdo. Era uma denúncia,
uma angústia, um medo com o que estava por vir.
Por outro lado, Orwell
expressa, em seu romance, a descrença na ideia iluminista do contínuo progresso
da humanidade, a descrença na construção de uma sociedade mais justa e
igualitária, aquilo que poderíamos chamar de utopia. A Primeira Guerra Mundial,
que levou a milhões de mortos, pelas ambições territoriais das grandes
potências europeias, deu início à destruição da tradição ocidental de acreditar
que o futuro seria, necessariamente, melhor, como consequência do progresso da
ciência e da técnica. O resultado de décadas de conflito, mortes e atrocidades
foi a substituição da crença na esperança pelo desespero.
1984 expressa, portanto, um sentimento de
desesperança que, mais tarde, tomaria conta de parte da população mundial. O
livro de Orwell poderia ser definido como “uma utopia às avessas”, uma espécie
de contraponto às utopias anteriores. 1984 demonstra, em
última análise, um sentimento de impotência do homem frente aos acontecimentos.
Não podemos pensar que Orwell
acreditasse que o mundo insano de 1984 pudesse se realizar. Na
minha concepção é algo irrealizável, de tão absurdo. Creio que o autor usou a
arte para denunciar um mundo igualmente absurdo, que poderia levar a uma
sociedade onde a ganância e a vontade de poder colocassem em segundo plano a
humanidade do homem, sua dignidade e valores morais e espirituais construídos
ao longo da história.
Como demonstra Erich Fromm, "Orwell simplesmente sugere que a nova forma de industrialismo gerencial, na
qual o homem constrói máquinas que agem como homens e desenvolve homens que
agem como máquinas, conduz a uma era de desumanização e completa alienação, na
qual homens são transformados em coisas e se tornam apêndices do processo de
produção e consumo”. (Posfácio, p. 374).
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