Iracema,
publicado em 1865, romance indianista, é talvez a obra mais popular de José de
Alencar, seguramente a mais conhecida e lida. A crítica festejou-o como
obra-prima. Machado de Assis foi um dos primeiros a aplaudi-la, fazendo o seu
elogio, considerando-a um poema em prosa, já anunciando sua imortalidade e o
seu lugar no quadro das obras célebres. Alfredo Bosi, em sua História concisa da Literatura Brasileira, endossou
o diagnóstico e Antônio Cândido a considerou a mais perfeita prosa poética da
ficção romântica (Formação da Literatura Brasileira).
Pode-se
dizer, Iracema é uma espécie de
romance em prosa poética e com características de epopeia. Como a épica, tem
heróis, modelos de virtude (Martim, Poti, Jacaúna, Iracema), começa com uma
espécie de prólogo ou canto da jandaia (capítulo 1). Ainda que esteja em prosa,
é pura poesia, fala de um mito fundador e fatos grandiosos. Apesar de contar
uma história de amor entre Martim, guerreiro português, e Iracema, virgem
tabajara, este é apenas o pano de fundo.
Das
muitas metáforas usadas, a maior é aquela que encerra a própria essência do
romance: o amor entre o colonizador e o nativo é o encontro simbólico entre
duas “raças”, a branca e a indígena, origem do povo brasileiro, misto, e não
apenas do Ceará, ato fundador da nação. Essa a maneira romântica de pensar o
mito de nossa origem como cultura (“Raça”, na concepção do escritor).
Avenida de Iracema - acervo do prof. Francisco de Assis Martins |
A
morte de Iracema representa a própria vitória do colonizador e o futuro
desaparecimento da cultura autóctone, bem como o batismo de Poti, no final.
Moacir é o povo brasileiro, educado pelo pai dentro dos valores do colonizador:
a língua portuguesa e a religião cristã. O fenótipo guarda os traços do nativo.
Ele confere ao português os direitos sobre a terra herdada pela mãe. A
identidade brasileira, grande tema indianista, começa a ser gestada com o braço
colonizador e o sangue indígena correndo nas veias de uma “raça” mista. O encontro de Martim com Iracema é o encontro
do mar, para onde ele sempre olha, com o sertão, presente nas lembranças dela.
O
enredo é dos mais límpidos e não apresenta nenhuma dificuldade: o Guerreiro
branco, Martim, o fundador do Ceará segundo a historiografia tradicional,
súdito da coroa portuguesa, amigos dos pitiguaras, habitantes do litoral e
adversário dos tabajaras, em expedição à Serra da Ibiapaba, com o objetivo de
fazer guerra aos franceses do Maranhão, topa, nas matas do Ipu, com Iracema, a
“virgem dos lábios de mel”, cabelos mais negros que as asas da graúna e mais
longos que o talhe da palmeira, de sorriso mais doce que o favo da jati, hálito
mais perfumado que a baunilha que rescendia no bosque, mais rápida que a ema
selvagem. Ela é filha de Araquém, o pajé, e irmã de Caubi. Desempenha funções
sagradas em sua tribo, guardando o segredo da Jurema, que lhe cobra a virgindade.
Ambos se apaixonam.
Dividida
entre a lealdade a seu povo ou seguir seu coração, a virgem opta por acompanhar
o guerreiro branco, ao lado de Poti, protegendo-o contra Irapuã, chefe
tabajara, com dons marciais, apaixonado pela virgem e ciumento, até o litoral e
viver como sua esposa, para junto dos pitiguaras, tradicionais inimigos dos
tabajaras.
"Iracema se banhando numa noite de lua na bica de Ipu". Óleo sobre tela, de J. Cardoso. |
Dessa
união nasce o primeiro cearense (brasileiro), Moacir, o filho do
sofrimento. Martim, aliado de Poti
(Antônio Felipe camarão, quando batizado), guerreiro destemido e irmão do chefe
dos pitiguaras, Jacaúna, eivado de virtudes cristãs (temperança, equilíbrio,
prudência, lealdade, abnegação), a quem guarda amizade fiel, combate com ele
contra os seus inimigos. Por isso, Martins se afasta de Iracema, deixando-a
triste e na solidão. Devido à ausência do marido, perece à mingua deixando ao
pai o filho da dor.
No
plano simbólico, Iracema representa o amor, a natureza exuberante. Por ele,
entrega a América ao colonizador, ao Coatiabo (guerreiro pintado), aquele dos
cabelos do sol (Guaraciaba), faces brancas como a areia das praias, olhos de
azul do mar, de onde veio, representante do branco colonizador.
José
de Alencar mescla registros históricos com fictícios. No século XVII os nativos
estavam divididos entre os portugueses, apoiados pelos pitiguaras, do litoral,
e os franceses, que tinham como aliados os tabajaras, da Ibiapaba, com quem
faziam negócio. Os aliados dos portugueses acabam prevalecendo. No romance,
dá-se a fusão das duas “raças”, representadas pelo guerreiro branco e a indígena
Iracema. A guerra é atenuada.
Ao
lado de O Guarani (1857) e Ubirajara (1875), Iracema compõe a trilogia indianista, dentro do projeto do autor,
esboçado na apresentação de Sonhos d’ouro
(1872) de criar uma literatura genuinamente brasileira e um painel da cultura
brasileira. O indígena de Alencar é ser mítico, nobre, eivado de qualidades
superiores. A visão do autor, em relação aos nativos muito se assemelha à
ideia rousseauniana do bom selvagem. Ele, que não conhecia o verdadeiro índio,
o retratou usando de sua imaginação fértil, apesar de defender estar criando o
mundo indígena a partir da ótica do próprio nativo.
Resenha escrita pelo professor Antonio Vitorino Farias Filho.
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