sexta-feira, 17 de maio de 2013

Quebra-queixo e Palma




Alguém deve se sentir tentado a ler esta crônica, pelo seu título inusitado ou pela curiosidade, afinal, quem em sã consciência nomeia uma crônica assim, “quebra queixo e palma”? Não, não é uma crônica que tenha como ponto central falar de guloseimas nordestinas, mas de amor e nostalgia.
Esta semana ao entrar no mercado e me deparar com uma barra de quebra-queixo na prateleira, vieram em minha mente inúmeras lembranças. Não pensei duas vezes, comprei-a e levei-a para casa e, lógico, comi-a. Tal foi a minha decepção, não era tão gostosa como as outras barrinhas que há anos comia quando morava no Rio de Janeiro. Lá o mesmo quebra-queijo, que minha mãe mandava do Ceará, tinha outro saber. Um sabor de lembrança de minha terra natal.
Lembro que sempre que o saboreava vinham lembranças de minha amada cidade, Ipu! A distância e a saudade de minha terra, de meus familiares e meus amigos, faziam com que aquela barra de doce, que muito comera na infância, fosse deliciosa e tivesse um sabor que hoje não tem mais. Foi essa uma grande decepção. Quando abri aquela barrinha de doce e devorei-a, ela não tinha mais aquele gosto de saudade. Joguei o resto para as formigas.
Lembrei-me da palma, ah! Aquela palma, chegada do Ceará, enviada por minha mãe e trazida por meu primo, que derretia em minha boca, trazendo lembranças de minha infância e adolescência...!
Fui ao mercado e comprei um saquinho delas, devorei uma, duas, três, e nada! Elas não tinham o mesmo sabor e cheiro de minha terra natal. Com raiva devorei todas as palmas, sem resultado, quer dizer, cheguei atrasado à escola onde trabalho, em função de uma enorme dor de barriga.
            Morei doze anos no Rio de Janeiro, longe de minha terra natal, e adorava quando minha mãe mandava as guloseimas que comera em minha infância. Elas me traziam as lembranças da cidade, de minha infância, da escola... Vivi doze anos de minha existência distante dessa “terra maldita”, chamada Ipu. Como um fantasma, diariamente, ela me “infernizava”. Não vivia um só dia que não pensasse nela, que não sonhasse com um retorno triunfal.
Eu, talvez mais do que ninguém, a amava. O Ipu era para mim não um espaço, mas um lugar. O Espaço, na maioria das vezes, tem o sentido ligado a um local físico, geográfico, um “lugar” qualquer. O lugar não! Este está carregado de significados. Eu aponto com o dedo e digo: “foi naquele lugar onde eu nasci”. “Foi ali onde cresci”, “onde namorei pela primeira vez”, “onde gozei a minha infância”. Lá estavam meus irmãos, meus pais, minha primeira namorada, foi lá que eu dei meu primeiro beijo, e, ao contrário, tive minhas primeiras decepções. Foi lá (aqui) que eu aprendi as minhas primeiras lições de vida, que hoje me são tão caras.
Lá havia as novenas, o pavilhão, a Estação onde, à noite, após a missa e depois de muito rodar em torno do bar do “chiquinho” íamos namorar, pois era mais romântico. Aquele passado é intocável, já virou sonho para mim.
Ah, o Ipu era para mim um lugar imenso. Na fenomenologia de Bachelard, o espaço é um sítio povoado por afetividades, habitados por intimidades, onde moram desejos, medos e sonhos. Todos nós já devemos ter experimentado a sensação de estranhamento quando, adultos, retornamos ao lugar onde vivemos a infância. O espaço parece ter diminuído! Halbwachs defende que a memória deve se materializar para existir. Ela deve se enraizar no espaço, inscrevendo na materialidade das coisas a solidariedade dos membros que comunalmente a partilham. Existe um veiculo orgânico entre as pessoas e o meio ambiente onde habitam, disse ele.
Vivi muito tempo como os personagens daquele desenho animado (a caverna do dragão) que, aprisionados em outra dimensão, pautam sua existência em encontrar um caminho de volta para casa. Esses conflitos são os fantasmas que rondam nossos inconscientes ou subconscientes, como defende Freud.
Ao contrário dos personagens do desenho, eu retornei. Talvez, por isso, o encanto tenha se desfeito. Agora aqui, essa cidade ganha novos significados para mim. O quebra-queixo e a palma não têm mais o mesmo sabor, eles já não me fazem lembrar minha cidade natal, simplesmente porque estou aqui. Se ainda estivesse longe, a cidade de Ipu seria, sem dúvida, o melhor lugar para se viver, mas já não acho isso. Contraditoriamente, no entanto, não quero mais sair daqui.
É paradoxal, meus vínculos de afetividade com a cidade onde nasci se reforçaram quando estive distante e diminuíram quando estive próximo. A cada dia que passa, quando mais eu me aproximo dela, tanto mais ela perde o seu encanto. Quero vê-la “crescer”, quero que ela melhore, mas quanto mais quero, parece que ela mais se “afunda”. Talvez aquela cidade que deixei há 17 anos já não exista mais, talvez só exista mesmo em meus sonhos. Afinal, quando retornei, meus amigos de infância já não estavam mais aqui, uns morreram, outros foram embora e os que sobraram, cresceram, e já não jogam aquela pelada no campo da RFFSA, ao lado da Estação.
É uma pena! 

Escrito em algum dia de 2007.


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