Alguém deve se sentir tentado a ler esta crônica, pelo seu título inusitado ou
pela curiosidade, afinal, quem em sã consciência nomeia uma crônica assim,
“quebra queixo e palma”? Não, não é uma crônica que tenha como ponto central
falar de guloseimas nordestinas, mas de amor e nostalgia.
Esta
semana ao entrar no mercado e me deparar com uma barra de quebra-queixo na
prateleira, vieram em minha mente inúmeras lembranças. Não pensei duas vezes,
comprei-a e levei-a para casa e, lógico, comi-a. Tal foi a minha decepção, não
era tão gostosa como as outras barrinhas que há anos comia quando morava no Rio
de Janeiro. Lá o mesmo quebra-queijo, que minha mãe mandava do Ceará, tinha
outro saber. Um sabor de lembrança de minha terra natal.
Lembro
que sempre que o saboreava vinham lembranças de minha amada cidade, Ipu! A
distância e a saudade de minha terra, de meus familiares e meus amigos, faziam
com que aquela barra de doce, que muito comera na infância, fosse deliciosa e
tivesse um sabor que hoje não tem mais. Foi essa uma grande decepção. Quando abri
aquela barrinha de doce e devorei-a, ela não tinha mais aquele gosto de
saudade. Joguei o resto para as formigas.
Lembrei-me
da palma, ah! Aquela palma, chegada do Ceará, enviada por minha mãe e trazida
por meu primo, que derretia em minha boca, trazendo lembranças de minha
infância e adolescência...!
Fui
ao mercado e comprei um saquinho delas, devorei uma, duas, três, e nada! Elas
não tinham o mesmo sabor e cheiro de minha terra natal. Com raiva devorei todas
as palmas, sem resultado, quer dizer, cheguei atrasado à escola onde trabalho,
em função de uma enorme dor de barriga.
Morei doze anos no Rio de Janeiro, longe de minha terra natal, e adorava quando
minha mãe mandava as guloseimas que comera em minha infância. Elas me traziam
as lembranças da cidade, de minha infância, da escola... Vivi doze anos de
minha existência distante dessa “terra maldita”, chamada Ipu. Como um fantasma,
diariamente, ela me “infernizava”. Não vivia um só dia que não pensasse nela,
que não sonhasse com um retorno triunfal.
Eu,
talvez mais do que ninguém, a amava. O Ipu era para mim não um espaço, mas um
lugar. O Espaço, na maioria das vezes, tem o sentido ligado a um local físico,
geográfico, um “lugar” qualquer. O lugar não! Este está carregado de
significados. Eu aponto com o dedo e digo: “foi naquele lugar onde eu nasci”.
“Foi ali onde cresci”, “onde namorei pela primeira vez”, “onde gozei a minha
infância”. Lá estavam meus irmãos, meus pais, minha primeira namorada, foi lá
que eu dei meu primeiro beijo, e, ao contrário, tive minhas primeiras
decepções. Foi lá (aqui) que eu aprendi as minhas primeiras lições de vida, que
hoje me são tão caras.
Lá
havia as novenas, o pavilhão, a Estação onde, à noite, após a missa e depois de
muito rodar em torno do bar do “chiquinho” íamos namorar, pois era mais
romântico. Aquele passado é intocável, já virou sonho para mim.
Ah,
o Ipu era para mim um lugar imenso. Na fenomenologia de Bachelard, o espaço é
um sítio povoado por afetividades, habitados por intimidades, onde moram desejos,
medos e sonhos. Todos nós já devemos ter experimentado a sensação de
estranhamento quando, adultos, retornamos ao lugar onde vivemos a infância. O
espaço parece ter diminuído! Halbwachs defende que a memória deve se
materializar para existir. Ela deve se enraizar no espaço, inscrevendo na
materialidade das coisas a solidariedade dos membros que comunalmente a
partilham. Existe um veiculo orgânico entre as pessoas e o meio ambiente onde
habitam, disse ele.
Vivi
muito tempo como os personagens daquele desenho animado (a caverna do dragão)
que, aprisionados em outra dimensão, pautam sua existência em encontrar um
caminho de volta para casa. Esses conflitos são os fantasmas que rondam nossos
inconscientes ou subconscientes, como defende Freud.
Ao
contrário dos personagens do desenho, eu retornei. Talvez, por isso, o encanto
tenha se desfeito. Agora aqui, essa cidade ganha novos significados para mim. O
quebra-queixo e a palma não têm mais o mesmo sabor, eles já não me fazem
lembrar minha cidade natal, simplesmente porque estou aqui. Se ainda estivesse
longe, a cidade de Ipu seria, sem dúvida, o melhor lugar para se viver, mas já
não acho isso. Contraditoriamente, no entanto, não quero mais sair daqui.
É
paradoxal, meus vínculos de afetividade com a cidade onde nasci se reforçaram
quando estive distante e diminuíram quando estive próximo. A cada dia que
passa, quando mais eu me aproximo dela, tanto mais ela perde o seu encanto.
Quero vê-la “crescer”, quero que ela melhore, mas quanto mais quero, parece que
ela mais se “afunda”. Talvez aquela cidade que deixei há 17 anos já não exista
mais, talvez só exista mesmo em meus sonhos. Afinal, quando retornei, meus
amigos de infância já não estavam mais aqui, uns morreram, outros foram embora
e os que sobraram, cresceram, e já não jogam aquela pelada no campo da RFFSA,
ao lado da Estação.
É
uma pena!
Escrito
em algum dia de 2007.
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