terça-feira, 14 de janeiro de 2014

NUNCA É TARDE PARA CHORAR I de parte II



  Folhetim de Gabriel Arcanjo

A justiça dos costumes



Quando soube do acontecido, Antonio Soares correu à fazenda de seu parente e compadre, o afamado coronel Manoel Marinho, localizada na extremidade oeste da cidade, bem na ladeira que fora soerguida sobre a ancestral trilha indígena de tempos imemoriais, que permitia ao viajante vencer a Ibiapaba sem dar a volta por Crateús. A fazenda, um sobrado de dois pisos, com paredes de tijolo cru medindo quase um metro de largura cada era uma verdadeira fortaleza, guardada por uma dúzia de assassinos afamados, e alimentada pelo trabalho estafante de uma centena de trabalhadores infelizes. Lá chegando o aperreado Antonio encontrou nu da cintura para cima, com chapéu de palha, revolver na cinta e mascando fumo pelo canto da boca, o afamado e rude coronel Marinho. Sua fama o precede: semi-analfabeto, bronco, avesso a sapatos e a camisas, o coronel passaria facilmente por um de seus agregados miseráveis.  Ninguém lhe daria a riqueza em terras em dinheiro que ele de fato tem. Após ouvir a história de seu compadre, não demorou nem uma hora e o coronel havia reunido os seus cabras, homens como Juriti, Imburana e Sete Mortes, assassinos afamados, acostumados a espancar e a matar a mando de seu patrão “justiceiro”. 

Em pouco tempo, cada um desses três homens arregimentou uma patrulha de quatro a cinco rapazes, filhos e genros de agregados, e partiram para rumos diferentes, a busca de pistas que pudessem levar à captura do estuprador Joaquim Catunda. “– Tragam ele vivo, pois eu quero ensinar praquele cachorro como é que homem faz!”, disse o coronel, ao mesmo tempo em que entregava facas, espingardas e revolveres a seus sequazes. “– dou cinco contos de réis ao homem que o capturar com vida!”
Montando-se quase todos em possantes cavalos mansos, os três bandos partiram, o primeiro grupo, que estava a pé, tomou o rumo da serra, pela estrada de rodagem empoeirada que ligava o Ipu ao Campo Grande (nenhum cavalo conseguiria fazer a travessia das ladeiras abissais que se apresentavam a sede do Ipu de povoados como o São João). O segundo grupo seguiu para Ipueiras, precisamente para São Gonçalo da Serra dos Cocos. E o terceiro partiu para as bandas da Varjora. Levavam todos eles bilhetes escritos pelo coronel, orientando seus parentes e compadres na vasta região que se estendia de Ipu a Santa Quitéria, de Santa Quitéria a Campo Grande, de Campo Grande a Sobral, de Sobral ao Tamboril, e do Tamboril ao Piauí:
-Meu compadre,       
Escrevo-lhe para pedir sua ajuda na captura de um cabra safado, que violou moça donzela. Peço  que deem guarida e assistência a meus homens, que são gente disposta a matar e a morrer em meu nome. O dito cujo que procuro é Joaquim Catunda, caboclo metido a besta, 20 anos, de estatura mediana, que gosta de beber cachaça e de descabaçar filhas alheias. Assina o Coronel Antonio Manoel Marinho de Sousa, cidade do Ipu, 25 de setembro de 1936.

        Joaquim fora identificado já cruzando as terras próximas à Matriz de São Gonçalo. Cabra, alto, magro e com uma cicatriz em forma de lua na face esquerda, ele não tivera tempo de adentrar os matagais do Piauí e desaparecer, ou de buscar a proteção de algum coronel inimigo dos Marinhos, ou dos Araújo do Ipu. Capturado pelos cabras do coronel Pedro Mourão, da Matriz, fora amarrado ao alpendre da fazenda, comendo sobras e bebendo pouquíssima água, como um porco, até que a tropa de cabras vindos do Ipu pudessem aparecer para escoltá-lo. Faminto e de mãos atadas, Catunda mal pôde ver, em meio à poeira vermelha da estrada, quando a tropa de cinco homens apareceu para levá-lo. À frente estava o temido assassino conhecido pelo apelido de Sete Mortes. Dizem as más línguas que Sete Mortes, na realidade, já tinha para mais de 20 mortes nas costas, mas o nome pegou, e não deixaram de assim chama-lo. Passou a chamar-se assim por causa de gente que ele eliminou nas mesas de baralho, nos cabarés e nas encruzilhadas dos sertões, ganhando dinheiro para isso, ou pelo puro prazer de matar “um cabra safado”. Dizia que preferia matar na faca, “-Não tem nada melhor do que enfiar uma faca-peixeira nas tripas de um safado e vê-lo dar o ultimo suspiro!”, dizia. Além da briga de facas, ele era um perito na emboscada. Atocalhando nas moitas dos caminhos escuros, ninguém poderia escapar de sua mira traiçoeira. Era capaz de ficar escondido por dias, sem se mexer, sem dormir, sem comer e sem beber, como uma cobra pronto para dar o bote, só para alvejar um de seus desafetos. Ele teria matado sete em emboscada. Vem daí o apelido tenebroso. Sete Mortes gostou quando passaram a lhe chamar assim, depois que ele dera cabo do sétimo infeliz de uma mesma família, no caminho que dava para a fazenda Boa Vista, na povoação de Curupaití (hoje Abílio Martins). Sete Mortes fora contratado pelo Coronel Manoel Martins, da Boa Vista, para dar cabo de atrevida família de homens destemidos, que insistiam em reivindicar para si a posse das terras da fazenda Vaca Brava, que o coronel dizia ser de sua gente.
Na realidade, o coronel e os rivais eram parentes, daí se depreende que todos teriam um pouco de razão, pois na época as questões de terra não eram decididas nos tribunais, mas nas emboscadas e nos desafios. Sete Mortes – ou Luiz Miranda da Silva – galgou a fama e o estrelato após eliminar três irmãos em emboscada, dois na peixeira, e um numa briga de cacetes: “- Que Luiz Miranda que nada! Eu me chamo é Sete Mortes!”, dizia nos botecos do mercado do Ipu, por ocasião das novenas do padroeiro, São Sebastião. 
Dizem que certa vez matou de uma só vez dois policiais que vieram lhe dar “busca de arma” numa festa no Caratiú. Por isso, fora obrigado a buscar o abrigo das terras do Coronel Marinho, seu protetor desde então. Impiedoso, certa feita, amarrou um infeliz pelos tornozelos num pé de juá, e lhe aplicou tão pesada surra que lhe tirou o couro das costas. Depois, Sete mortes o sangrou na goela, como se faz com os bodes no sertão. Enfim, Catunda sabia que com este assassino não adiantaria implorar por misericórdia ou piedade: sete Mortes era o Cão em forma de homem! Mas não deixou de tentar: “- Pelo amor de Deus, seu Sete Mortes, o senhor tenha piedade! Eu num queria fazer mal a moça não, ela é que me seduziu! – Cala a tua boca, seu felá-da-puta”, disse o capanga, apontando o revolver para o prisioneiro. “-Tu me custou cinco contos de Réis, cabra safado! Disse isso enquanto seus homens amarravam as mãos do estuprador em comprida corda atada à sela do cavalo. “-Te prepara pra morrer, disgraçado!” Foi ai que os cabras viram os policiais, que estavam ali perto, deitados em redes, na sala da casa: “- Não senhor, vamo intregá ele pro delegado do Ipu! É ordem do governador do Estado! Não se podi mais matar preso no Ciará assim, feito criação!” disse um dos policiais. 

Continua...
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