O meretrício (cabaré) foi erguido próximo ao “curral do açougue”, onde eram abatidos os animais e ficava o matadouro e açougue da cidade. Era composto por quatro currais em quadro. Se de manhã se ia aquele local para a compra da “ração diária”, ir ao “curral do açougue”, à noite, tinha o significado da prática do sexo. Para lá diariamente acorriam os viajantes e rapazes sempre prontos e dispostos a mostrar e gastar os seus vigores.
Segundo o relato do
tipógrafo à época, João Mozart da Silva, o meretrício era composto por “oito
casinhas, rebocadas e caiadas, cobertas com telhas”. E era ali na zona do
meretrício, do raparigal, da devassidão, na claridade da lamparina a querosene,
que a rapaziada da época tinha, muito provavelmente, sua primeira experiência
sexual.
Segundo ainda o seu relato: Cada
um dos rapazes da época possuía sua lanterna a pilha. Todas as noites,
infalivelmente, saíamos do bilhar e padaria do Zé Padeiro, que ficava vizinho
da alfaiataria do Lopes, e próximo à farmácia do Edgard, no rumo do que se
chamava “zona”. Era uma esticada direta, subindo até chegar ao batente da
primeira casa. A ronda era geral, principalmente nas terças e sexta-feiras, os
dias dos trens que procediam de Camocim, chegando à Estação de Ipu às quatro da
tarde. (SILVA, 2005, p. 101.).
O surgimento do cabaré é
fruto, em parte, do controle da qual foram alvo as prostitutas. Todas elas, ou
pelo menos a maioria delas, passaram a ter uma ficha na polícia, condição de
possibilidade para exercem seus ofícios, e tiveram sua circulação controlada
nas principais ruas da cidade. Foram fixados, por exemplo, horários e
estabelecimentos comerciais em que poderiam comprar suas mercadorias. A não
obediência a essas regras era punida com uma possível detenção ou outra
represaria.
A prostituição no município
é, para os grupos abastados de Ipu, um caso de polícia. As reclamações e as
cobranças ao poder público quanto ao controle das meretrizes têm como
argumentos salvaguardar a boa moral pública e os “bons costumes” das famílias
locais.
As meretrizes, antes do surgimento
do Cabaré, faziam ponto no mercado público da cidade, o local mais movimentado.
O
mercado público é uma edificação em quadrilátero, construído ainda no final do
século XIX, bem na área mais central da cidade, tendo ao sul a Igrejinha, onde
em sua volta ergue-se o casario das famílias abastadas; a seu oeste, a poucos
metros de distância, ficava a Casa de Câmara. Em seu térreo funcionava a cadeia
e o destacamento policial (quartel), e no pavimento superior, a Câmara
Municipal; ao norte, também bem próximo, ficava a nova Igreja em construção e,
por fim, para o leste estava ligado à estação do trem por duas largas e
regulares ruas.
Muito comum nas cidades
interioranas do Ceará, é formado por “quartos de comércio” com quatro entradas
centrais, uma em cada lado, que dão acesso ao seu interior. Existia um
funcionário que “ao cair da tarde”, quando os estabelecimentos comerciais
cerravam suas portas, era encarregado de fechar os seus portões.
Prostitutas
– além de “mulheres simples”, crianças e pedintes - ficavam nas entradas do
mercado, o que incomodava principalmente as chamadas “famílias ilustres”,
aquelas mais abastadas do lugar, que buscavam distinção pelo trajar e pelos
modos “requintados”. Incomodava porque era, em primeiro lugar, uma cena
“imoral”, ia contra seus valores. Chocava às senhoras e senhoritas que deveriam
ser resguardadas dessas “imoralidades”. Os relatos da época dão conta de que as
meretrizes usavam vestimentas que deixavam aparecer seus dotes físicos como
forma de seduzir. Ofereciam seus serviços abertamente a quem pudesse pagar por
eles.
Incomodava,
em segundo lugar, porque aquilo era, em si, uma “imundície”. Prostitutas com
poucas roupas, algumas maltrapilhas, outras alcoolizadas, eram alvo de chacota
para os populares. Aquilo, aos olhos daqueles que sonhavam com uma outra
cidade, objeto de desejo, devia ser banido do espaço público, sobretudo da
região mais central e uma das mais movimentadas da cidade.
Finalmente, aquela cena chocava uma sociedade que era, em
sua essência, extremamente católica, religiosa. Aquilo era um chamamento à
orgia, representava o fim dos tempos. Era preciso extingui-la sob pena de ser
castigado pela providência divina.
Continua...
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