Nas
cidades não observo apenas os monumentos, prédios antigos, ruas, traçados.
Observo também as pessoas. Às vezes procuro ler seus rostos, imaginar as
histórias que têm para contar, as decepções que já viveram e os sonhos
escondidos numa testa franzida, nas marcas das rugas, na beleza da pele lisa.
Hoje
uma cena espetacular, de um operário, em sua hora de almoço, sentado à mesa,
almoçando, evidentemente, me fez refletir profundamente sobre a existência. O
que há de excepcional nisso? Nada! Quer dizer, nada não fosse a cena. O local?
Centro histórico do Recife. Voltava de meu tour turístico, para o hotel: um trecho
de aproximadamente 15 quilômetros, mais ou menos, percorrido em quase duas
horas, num trânsito infernal. Vi a cena, em pé, de dentro de um ônibus lotado.
Lá
estava o operário, sentado à mesa. Vestia um macacão grosso, botas sete léguas,
capacete e um pano, embaixo dele, que caia de sua cabeça, usado para se
proteger do sol, deixando descoberto apenas o rosto. Usava ainda óculos de
proteção e luvas. Sobre a mesa, uma bacia: dentro pude ver: feijão “magassa”,
como se diz aqui, arroz, cuscuz e muita carne com legumes cozidos, tudo bem oleoso.
Havia um copo e uma garrafa com suco. O operário comia vagarosamente, levando a
colher do prato para a boca repetida e incessante vezes, de cabeça baixa,
indiferente ao mundo em sua volta.
O
operário estava no local de uma obra. Esta era protegida por tapumes de madeira
de um lado e outro, entre duas vias de intensa movimentação de veículos
automotivos,com duas ou três faixas cada uma: uma pista que levava ao centro
histórico e outra que saia dele. O engarrafamento era enorme: um som
ensurdecedor de buzinas de automóveis e motocicletas, de sirenes de ambulância e
carros da polícia e o burburinho das conversas davam o tom da cena. Lá do
ônibus observava as pessoas apressadas, com caras de poucos amigos, ciclistas
desviando dos carros, vendedores ambulantes gritando, guardas tentando
organizar o desorganizado trânsito, e pessoas discutindo. E eu estava dentro do
ônibus lotado, num calor daqueles. Imagine!
Indiferente
a tudo isso, lá estava o operário! Parecia feliz. O mundo em sua volta era um
inferno, mas ali, protegido, parecia estar no paraíso. Ninguém reparava nele e nem ele ligava para o mundo:
as preocupações das pessoas as consumiam. Nada, nesse mundo selvagem, seria
capaz de chocá-las. Para elas, tudo parecia tão normal! Para mim não!
Quando
vi o operário, pela primeira vez, imaginava comigo mesmo que viver diariamente na
cidade nas condições que estava seria morrer lentamente, a cada dia. Mas eu
mudei de ideia. Se as pessoas encarassem
a existência como aquele operário, seriam capazes de enfrentar tudo e viver bem
em meio ao turbilhão do nosso mundo. O que nos faz viver ou morrer são as nossas
expectativas, sonhos de grandeza, enfim, nossa maneira de encarar o mundo. Se nossos sonhos e expectativas são grandes, sofremos se não os conquistamos. No
entanto, e paradoxalmente, não precisamos de muito para viver bem.
O
operário nos ensina, como tantas pessoas. Basta observá-las.
Recife, 13 de novembro, de 2013.
Fantástico!!!
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