Iniciamos
hoje uma nova seção intitulada “ler para entender o Brasil”. Não começaremos
pelos clássicos, tão citados quando o assunto é entender a singularidade de nosso
país, como Casa Grande & Senzala,
de Gilberto Freyre, Raízes do Brasil,
de Sérgio Buarque de Holanda, e Formação
do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior, mas por um livro publicado recentemente,
intitulado provocativamente de A elite do atraso: da escravidão à lava jato, de
Jessé Souza, sociólogo e professor da Universidade Federal do ABC.
Por que começar assim? Ora, em
primeiro lugar, porque quem escreve a coluna aqui sou eu e, claro, resolvi
fazer diferente. Se quiser fazer de outra forma, escreva um texto, faça um blog, e
publique! Também não precisa se zangar, é só uma brincadeira. Em segundo lugar,
o livro de Jessé Souza, ainda que não concordemos com suas principais
conclusões, ajuda a entender como se construiu um projeto de nação excludente e
que culminou com a realidade dramática do Brasil atual. Como entender um embate
simplista entre uma pretensa direita e esquerda? Como entender a atual
polarização de ideias e propostas, sem cair no ridículo? Como entender a
imbecilidade, idiotice e bizarrice, da maioria, daqueles que escrevem nas redes sociais de ambos os lados?
O livro ajuda a
entender tudo isso e um pouco do despedaçado Brasil.
Por tudo isso, comecemos por
este instigante livro. Se não quiser lê-lo, não leia. Se leu o que
escrevi até aqui, por que não ler o resto? A decisão é sua, portanto.
A elite do atraso
A elite do atraso, livro de Jessé Souza, lançado em outubro de 2017, foi escrito para contestar e rebater uma
interpretação do Brasil que, segundo o autor, é ainda dominante e que seduziu
tanto a visão política da direita quanto da esquerda. Tal interpretação tem
como base o clássico Raízes do Brasil,
de Sérgio Buarque de Holanda, que, influenciado pela análise sociológica de
Gilberto Freyre, e invertendo sua lógica, teve continuidade com Raymundo Faoro,
Roberto da DaMatta, Fernando Henrique Cardoso e muitos outros.
O
autor chama a interpretação iniciada com Sérgio Buarque de Holanda de
culturalismo conservador. Este teria partido da perspectiva de que a corrupção
no Brasil está no Estado e que teria herdado seus valores da nossa formação
ibérica. Tal leitura, para Jessé Souza, é um embuste e serve a dominação de
classe. Ela teria ajudado a difundir a ideia de que a corrupção política seria
o grande problema nacional, herdado especialmente de nossa formação ibérica, e
que teria ajudado a sedimentar a nossa “síndrome do vira-lata.
Portanto,
Sergio Buarque teria iniciado uma leitura do Brasil que acabou servindo a
legitimação de uma dominação cruel e que se tornou naturalizada, aceita como
verdade evidente e não refletida. O autor ataca três eixos da dominação: em
primeiro lugar, a suposta e abstrata continuidade com Portugal e seu
“patrimonialismo”, como semente da sociedade desigual e excludente. Em segundo
lugar, analisa como a classe dominante construiu um discurso que permitiu
naturalizar os privilégios de classes, mas que, na verdade, são produzidos
socialmente. E, por último, mostra como atualmente se construiu uma aliança, em
conluio, entre a grande mídia e a Lava Jato, que permite perpetuar a
desigualdade e a exclusão.
Jessé
Souza propõe, portanto, neste instigante livro, demonstrar como se construiu a
noção, falsa, de que o grande problema do Brasil está na corrupção da política.
Busca desvelar como se dá a dominação no Brasil com o objetivo de esconder o
nosso real problema, já que serve muito bem aos donos do poder e à classe
média. O problema do Brasil, esclarece, não está nesse embuste, mas em outro
lugar. No entanto, as forças que construíram o nosso atraso são tornadas invisíveis
para que possa, de forma mais eficiente, exercer o poder real. É essa dominação
velada que o autor propõe desmascarar.
O
grande sucesso da construção narrativa de Sérgio Buarque de Holanda seria
resultado, de um lado, do fato de ele ter construído uma narrativa totalizadora
como as das religiões, que não deixam margem a lacunas e dúvidas, e, de outro
lado, tal narrativa teria servido perfeitamente a dominação oligárquica e
antipopular com a aparência de estar fazendo crítica social.
Continua...
Adicionado na lista de livros para 2020!!
ResponderExcluir