segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

A revolução dos bichos (1)



No dia três de janeiro de 2015 eu iniciava uma seção, neste blog agora reformulado, chamada para “ler antes de morrer”. A ideia era discutir os clássicos da literatura internacional. A resenha inicial era dedicada ao livro de estreia de Dostoiévski, Gente Pobre, um dos meus autores favoritos e um dos gigantes da literatura de fins do século XIX e de todos os tempos. Hoje retomo a seção. Todas as resenhas anteriores serão republicadas aqui juntamente com outras inéditas.
            Recomeçamos com Revolução dos Bichos. O livro faz uma crítica feroz aos rumos que tomava o socialismo na União Soviética, sob o comando de Josef Stálin. Em momento de ódios declarados ao socialismo, é um bom prato para ser devorado.

Fazia tempo que A Revolução dos Bichos estava na minha lista de livros a serem lidos. Li-o não faz muito tempo. Como fui capaz de esperar tanto tempo? É inadmissível, para mim, que ainda não o tivesse lido. Mas a verdade é que outras obras estavam na sua frente e demorou um pouco até que chegasse nele. Encarei-o em dois dias, tão instigante foi a leitura. Como já disse, a literatura é uma grande paixão que cultivo e esse pequeno livro já entrou para o hall daquelas obras que se deve ler antes de morrer.
A linguagem adotada é deliciosa, envolvente e prende a atenção. Apesar de ser uma fábula, apresenta uma analogia gritante, às vezes irritante, no bom sentido, com a realidade histórica.
Vou adotá-lo como leitura obrigatória em alguns cursos que ministro, quando for discutir o totalitarismo stalinista na antiga Rússia.

Grande obra

A Revolução dos Bichos, livro de George Orwell, pseudônimo para Eric Arthur Blair, foi publicado em 1945, após ter sido recusado por vários editores. É uma espécie de denúncia do mito soviético, com base numa história de fácil compreensão, em que os bichos, personagens centrais do romance, se revoltam contra a exploração dos humanos e buscam construir uma sociedade igualitária, mas acabam caindo numa nova escravidão ainda mais impiedosa nas mãos de seus semelhantes, os dirigentes dessa nova sociedade, personificados nos porcos, uma espécie de intelligentsia.
            O expediente usado pelo autor, para denunciar os rumos da Revolução Russa, é o das fábulas tradicionais, isto é, o uso de animais para representar os homens.
A Revolução dos Bichos é, portanto, uma sátira feroz da ditadura adotada por Stalin na Rússia socialista, uma denúncia aos rumos que tomaram a R  evolução naquele país. A ambição do autor era analisar a teoria de Marx do ponto de vista dos animais.
            O enredo é construído com base numa analogia quase explicita entre a Granja dos Bichos, antes da Revolução era chamada Granja do Solar, local onde os fatos se desenrolam, e a Rússia socialista, sob a liderança de Stalin. Quem conhece um pouco da história do socialismo soviético identifica, claramente, os fatos que se passam na Granja dos Bichos.
Os bichos vivem na opressiva fazenda do sr. Jones, no momento em que são convidados para ouvir o último discurso do velho porco, animal respeitado por todos ali. Trata-se do velho Major. Este analisa a vida de provação e sacrifício dos animais, a forma como são explorados pelos humanos e como eles, que trabalham e produzem, não ficam com os seus frutos. Estes são apropriados pelos humanos, que os exploraram com o objetivo de produzirem sua riqueza.
No final, pede que todos os animais se unam e façam uma revolução com o objetivo de derrubar seus exploradores e construírem uma sociedade baseada na ajuda mútua e na coletivização da propriedade. Propõe um hino, caso a revolução seja vitoriosa, “Bichos da Inglaterra”, para servir como sua versão da “Internacional Socialista”. Mesmo morrendo, sua mensagem, baseada nas ideias de Karl Marx - ou ele representaria o próprio Marx? - logo é adotada pelos porcos mais cultos, a intelligentsia do mundo animal. Forjam uma aliança entre os cavalos Sansão e Quitéria, que eram fortes, e representavam o proletariado, e os elementos representantes dos trabalhadores do campo e da classe média, personificados nas ovelhas, vacas e galinhas, e outras forças dos pastos e do quintal. Somente a égua Mimosa, uma espécie de tipo pequeno-burguês, e Moisés, um corvo, de fala fácil e eloquente, que prega a existência de um mundo além do céu, se mantêm indiferentes.
Numa série de batalhas, o proprietário da Granja, o sr. Jones, é expulso, e sua tentativa de retomar a propriedade, com a ajuda de outros proprietários de Granjas, próximas, alarmados com o exemplo da Granja dos Bichos, é, mais uma vez, derrotado.
Começa então um período de construção, acompanhada de isolamento e perigo e da sensação de que os porcos, líderes da revolução, tinham se apoderado de uma fatia excessiva de poder e privilégios.
            Os paralelos com o governo de Stalin são evidentes: a excomunhão dos dissidentes, a reescrita da História, os julgamentos espetaculares, a coletivização da produção e a fome que a acompanha e as execuções em massa. O porco Napoleão representa, obviamente, Stalin, que expurga e manda para o exílio aquele que representava um obstáculo ao eu poder, o porco Bola-de-Neve, que representa Trotski. Este, não apenas cai em desgraça, jogado na lama e transformado em inimigo da Revolução. A história reescrita trata de apresentá-lo como um aliado aos inimigos da Revolução.
              A história termina com os animais reunidos, do lado de fora, observando um banquete entre os porcos, dirigentes, e os seres humanos. Nisso, são incapazes de distinguir entre porcos e humanos (quem seriam os mais opressores?). Era uma clara referência sarcástica ao então encontro de Teerã, em 1943, reunindo Churchill, Roosevelt e Stalin, combinando uma coordenação dos ataques soviéticos à Alemanha nazista com o iminente desembarque dos aliados na Normandia. Na visão de Orwell, aquilo não passava de uma reunião cínica destinada à divisão dos espólios da guerra.
Os bichos, em nome da Revolução, de uma vida mais igualitária e na promessa de segurança acabaram, como na Rússia stalinista, ficando sem uma nem outra.

O uso político do romance

Recusado por vários editores, mas uma vez que foi publicado, o romance causou mal-estar entre os literatos e a elite política da época, pois foi percebido como uma sátira feroz do stalinismo. Ora, os soviéticos eram aliados das democracias ocidentais contra o nazifascismo. Uma crítica aos aliados não caía bem naquele momento. O desconforto era agravado pelo fato de os líderes da Granja do Bichos serem os porcos, o que era visto como uma ofensa aos dirigentes russos.
Com a Guerra Fria as coisas se inverteram. Os capitalistas ocidentais passaram a usar a fábula como arma ideológica anticomunista, situação que era incomoda para o próprio autor, que se dizia socialista ou seu simpatizante, estando descontente pelo desvirtuamento do socialismo da União Soviética stalinista.


Referência.

ORWELL, George. A revolução dos bichos: um conto de fadas. São Paulo: Claro Enigma, 2012.


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2 comentários:

  1. Muito Show, li o livro no ano passado e ler sua resenha nesse ano, com tantas correlações históricas, foi sem sombra de dúvidas, tocante.

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