segunda-feira, 13 de janeiro de 2020

Grêmio Ipuense. A ruína de um projeto - Parte I



Palacete Iracema. sede do Grêmio. Inaugurado em 1927

A destruição do prédio que serviu, por longos anos, de sede do antigo Grêmio Ipuense, inaugurado em 1927, surpreendeu a muitos de nós. Localizado bem na área central do município, aquele prédio, outrora imponente, lembrava, sobretudo aos mais velhos que circularam por seus espaços, outrora, uma memória de um tempo opulento. A sua destruição, por um lado, apaga a materialidade de parte dessa memória. A destruição daquele “monumento”, ainda que já estivesse descaracterizado, enterra histórias de amor, paixões, momentos de glória, decepções, preconceitos, arrogância, fantasias, poder.
Por outro lado, as ruínas daquele antigo prédio revelam, aos nossos olhos, como a memória e a história locais são tão desprezadas numa cidade centenária. Mostra, igualmente, como o orgulho do ipuense por viver em uma cidade cuja história é supostamente coberta de glória, de feitos de “homens ilustres”, de “personalidades marcantes”, berço de “grandes artistas”, “mentes brilhantes”, é mero formalismo ou orgulho vazio.
É preciso dizer que, as ruínas do antigo Palacete Iracema, sede do Grêmio, associação fundada em 1912, com outro nome, são as de uma memória elitista. São enterradas ali, junto a seus escombros, o desprezo de uma sociedade do passado contra toda a cultura e os valores das classes menos abastadas, das classes populares. Elas enterram as fantasias de grandeza, de superioridade, de moral polida, de sonhos de civilidade, de grandeza e superioridade. Enterram uma tentativa de moldar o caráter de um povo com base num modelo alienígena, que soprava da velha e “civilizada” Europa, e que representava a vitória do que se chamava modernidade, técnica, conhecimento, ciência, progresso. Enterram, finalmente, um projeto de cidade que se ajustava aos interesses e valores de uma elite que queria uma cidade só para ela e mais ninguém.
Os bailes (as soirées) realizados nos salões do Grêmio eram a teatralização de uma sociedade que vivia o sonho de ser e parecer civilizada e que acreditava lutar para destruir os costumes “bárbaros” de um povo tido como “inferior”. Era a luta de uma “raça superior”, quer dizer, que se considerava assim, branca, cristã, depositária da cultura europeia, contra a “barbárie” de uma “raça inferior”, representada por elementos africanos e indígenas, e seus traços evidentes na pele e em rostos miscigenados. A própria face da “decadência”, a seus olhos.
A fantasia e os sonhos de grandeza estavam presentes ali, nos salões daquele palacete, quando sede de uma sociedade, no porte elegante dos cavalheiros e damas “honradas”, no brilho das joias no pescoço e braços da mademoiselle e da madame, no fraque preto do cavalheiro, em sua cartola, em seu vocabulário recheado de expressões francesas, saído dos lábios de todos, na toilette, nos gestos, nos modos de andar, gesticular e portar-se daquela sociedade ilustre, de “ bons modos”.
Circular pelos salões daquela associação, espaço para poucos, dava a sensação de poder e superioridade. Pertencer ao quadro social do Grêmio denotava distinção. Ele exerceu sobre grande parte da população local certa atração. Para ser admitido como sócio era necessário, em primeiro lugar, possuir algum cabedal e, em segundo lugar, ser bem quisto no seio do que se chamava à época, a “melhor sociedade” e, por último, cultivar a moral e os “bons costumes”. Qualquer mancha ou falta era observada. Poderia barrar o sonho daquele desejoso de pisar no chão daquele prédio, outrora tão bem cuidado.
Aquele antigo prédio lembrava tudo isso, outrora símbolo do progresso e da modernidade, tornara-se, nos dias atuais, aos olhos de muitos, um anacronismo, um monumento totalmente fora de seu tempo, desbotado, sem vida, sem utilidade. Para a maioria dos ipuenses, creio, fora tarde. O passado é velharia. A memória deve ser apagada. O que importa é o presente e o futuro. A poeira do passado deve ficar no passado, é imprestável, não gera lucro.

Continua...

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Um comentário:

  1. Há mais de 35 anos vivo fora a minha cidade natal. Quando vou passear, nitidamente observo as mudanças. Mas nesse mês de janeiro fui rever meus familiares e fiquei chocada com o descaso da prefeitura em não preservar a reserva da bica do Ipu. Um abandono, limo nas calçadas, mato tomando conta... Isso me deixou extremamente triste.

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