quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

Grêmio Ipuense. A ruína de um projeto - Parte IV




A fundação do Grêmio, e de outras associações congêneres, responde ao desejo de viver os valores do progresso e da modernidade, de buscar distinção e reconhecimento como ser civilizado, marcando posição em relação à população menos abastada, espelhando-se em modelos alienígenas.
Enfim, surgiam como resultado da prática social de um grupo restrito de pessoas, os salões e uma nova forma de sociabilidade para os grupos abastados. Frequentar as soirées do Grêmio se revestia de uma desejada distinção social. Ir aos seus bailes revestia-se de um simbolismo ímpar. Era sinal distintivo de poder, de uma aura superior. Lá se ia para ouvir música, dançar, para uma “partida literária” e para o convívio de relações familiares. Os salões daquela agremiação funcionaram como importante para a vida social e para os relacionamentos afetivos de seus associados.
No caminho trilhado por aqueles homens, que consistia em dotar a cidade de signos da modernidade, a fundação de novos espaços de sociabilidade, que seguia uma pragmática própria, foi uma prática levada a cabo. Se, de um lado, buscava-se lutar contra os costumes “arcaicos”, de outro, efetivamente se procurou fundar outro tipo de sociabilidade, aberta aos segmentos mais abastados da cidade, alinhada com os ideais de civilidade.
Assim, ao mesmo tempo em que tais espaços eram entendidos como fundamentais a um grupo de pessoas, sedentas por distinção, também eram buscados como necessários a um povo em via de “civilizar-se”. A sua instituição era informada pela necessidade de instituir um padrão de comportamento mais condizente com o espírito dos valores defendidos. Foi dentro desse receituário que surgiram o Grêmio Ipuense (1912) mais tarde Grêmio Ipuense Sociedade Recreativa Dançante (1924), o Gabinete de Leitura Ipuense (1919), o Centro Artístico Ipuense (1918) e a Euterpe Ipuense.
Fazer parte de tais associações denotava distinção e marcava posições. Elas exerciam um fascínio sobre aqueles desejosos por se parecer superiores. As representações construídas em torno de seus membros caminhavam no sentido de mostrar que eram modernos e civilizados em oposição à grande maioria da população, sempre visualizada nos periódicos como portadoras de costumes “archaicos”, “atrasados”, “bárbaros”.
O grupo de pessoas que fazia parte de seus quadros buscou se apegar aos valores da modernidade como forma de produção de positividade, para qualificar a si mesmo (uma classe ou grupo social) como superior e desqualificar o que considerava arcaico, inferior. Na verdade, os símbolos e signos ligados à modernidade eram procurados por aqueles que transitavam pelos salões chics. Seus valores estéticos eram cobiçados como forma de distinção. Assim, constituiu-se numa espécie de “poder simbólico”, isto é, como um poder capaz de “construir a realidade” e produzir sentido (imediato) para o mundo, além de integrar indivíduos em torno de valores comuns. Os símbolos, como defende Bourdieu, são instrumentos, por excelência, da integração social. Na medida em que se traduzem como instrumentos de conhecimento e de comunicação, tornam possível o consensus acerca do sentido do mundo social que contribui essencialmente para a reprodução social[2].

Sobre a fotografia: Diretoria da Associação Comercial de Ipu em 1928. A sede funcionava no Palacete Iracema. Todos eram sócios do Grêmio[1]. Cópia digitalizada pertencente ao acervo do autor. O documento original é do acervo de Francisco de Assis Martins.

     [1] Na fotografia aparece o seu diretor, Joaquim de Oliveira Lima, sentado e de branco, Thomaz de Aquino Correia (vice-presidente), sentado e na ponta direita. Os demais são, José Oswaldo de Araújo, sentado ao centro (de óculos), ao seu lado direito, também sentado, está Francisco das Chagas Paz. Na ponta esquerda, sentado, está o Cel. José Raimundo de Aragão Filho. De pé, da esquerda para a direita, estão o Cel. Gonçalo Soares de Oliveira, Dr. Francisco das Chagas Pinto, José Gentil Paulino e Dorotheu Alves Farias. Fonte: Revista dos Municípios, Fortaleza-Ce, ano I, nº 1, fev. 1929, p. 53. 



 [1] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.


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