Noites
brancas não é daqueles grandes romances de Dostoiévski, mas tem os seus
encantos. Me atraiu justamente porque fala da solidão de um homem em meio à
multidão das grandes cidades. A cidade como um monstro parece tragar o homem,
perdido em meio aos seus movimentos, à colmeia humana, ao burburinho e à velocidade, características centrais da modernidade citadina de meados do
século XIX, tema de muitos romances, poesias e obras da filosofia escritas no
século XIX. Neste último caso, Walter Benjamin talvez seja o nome mais
importante. Como sou um estudante e pesquisador dessa modernidade oitocentista
o romance tem, para mim, valor especial. Além de tudo, a nostalgia dos
personagens e do cenário me causaram vibrantes sensações. A primeira leitura
foi, creio, mágica.
Noites
brancas, de Dostoiévski, foi publicada em 1848 pouco antes de seu exílio na
Sibéria e pode ser considerado o romance que encerra a sua fase de juventude e
abre caminho para a sua fase madura na literatura. Marca, junto com outros
trabalhos, um momento decisivo na transição para sua maturidade artística. Talvez seja a sua obra com traços mais nítidos
do romantismo.
Segundo
Joseph Frank[1],
foi escrito sob a influência de Hoffmann e do romantismo alemão, como toda a ficção
russa da década de 1830, farta das discussões entre o ideal e o real, o
espiritual e o material. No entanto, o ataque que sofreu o romantismo na década
de 1840, pelos críticos realistas russos, contribuiu para transformar o
universo literário. O verdadeiro artista, do romantismo da década de 1830 deu
lugar a um sonhador fracassado, incapaz de enfrentar e dominar as exigências e
dos desafios da vida. É nesse contexto que o “sonhador” de Dostoiévski adquire
uma nova roupagem.
Neste conto, a psicologia do “sonhador”
passa a ocupar o centro da narrativa. O personagem central do conto, nomeado
apenas como “sonhador” (em momento algum ficamos sabendo o seu nome), parece
ser um tipo característico de São Petersburgo, vivendo no isolamento e na solidão,
parecendo ser tragado pela grande cidade. No entanto, ao contrário de muitos
outros, enxerga a urbs e as pessoas
com grande curiosidade e desmedido interesse benevolente, desenvolvendo uma
relação afetiva com pessoas que vê, mas que efetivamente não conhece, e com os
espaços das cidades, suas casas, ruas e logradouros pelos quais passa
diariamente. O personagem central parece viver numa “realidade” imaginária,
romanceada, enquanto o mundo concreto ao seu redor parece sempre distante e
inatingível.
De
um lado, o discurso elevado e pomposo do “sonhador” e sua linguagem
declamatória parece ser uma paródia dos personagens da escola romântica. De outro, aos olhos do leitor, a maneira como
fala e se comporta o “sonhador” o torna um personagem, no mínimo, ridículo,
talvez inverossímil.
Embora
Nástenka, a sua amada, se pareça bastante com o “sonhador”, aparece mais ligada
ao mundo real, com atitudes mais simplórias. Os seus sonhos não ultrapassam o
seu mundo cotidiano e material. A sua única ambição parece ser casar-se com o
homem que ama, acreditando ter chegado a idade para isso.
O primeiro contato do “sonhador” com a
realidade, que lhe arrebata de seu mundo solitário e resignado, é com uma jovem
de 17 anos, Nástenka, encontro fortuito num dos locais por onde transitava
sempre. Um ano antes do encontro, Nástenka havia ficado noiva de um rapaz, que
morara como inquilino na casa de sua avó, com quem vivia desde a morte de seus
pais. Partira para se estabelecer, prometendo voltar exatamente naquele dia em que
se conhecem os personagens centrais do conto, naquela mesma estação, para
encontrar-se com ela nas “noites brancas” da primavera de São Petersburgo, na
mesma ponte onde o sonhador a viu pela primeira vez.
Continua...
[1] FRANK,
Joseph. Dostoiévski: As sementes da
revolta, 1821-1849. 2.ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo,
2008, p. 421.
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