quinta-feira, 30 de abril de 2020

Noites Brancas - DOSTOIÉVSKI (Parte II)





O noivo não aparece no dia marcado e Nástenka se encontra com o “sonhador” nas três noites seguintes, sempre no mesmo lugar e sempre com a esperança de reencontrar o noivo, seu amado. Apesar do sofrimento de ambos (dela pela suposta traição do noivo e dele por ter-se apaixonado por ela), vivem noites de encantamento.
Na última noite, Nástenka, impulsionada talvez por um saudável instinto feminino de autoproteção decide transferir para o “sonhador” o seu afeto e casar-se com ele. Por um instante, encorajado por Nástenka, o “sonhador” vislumbra a possibilidade de uma felicidade “real”. Mas, ela se lança aos braços do noivo na mesma hora em que ele finalmente aparece, logo depois de ter firmado compromisso com o outro.
Sozinho mais uma vez, o mundo volta a ter a cor cinzenta de antes. Passa a ver os espaços como sempre vira antes. O romance termina na manhã seguinte, com a desilusão do sonhador: “não sei por quê, pareceu-me que de repente meu quarto envelhecera tanto quanto a velha [que limpava o seu quarto]. As paredes e o piso haviam perdido a cor, tudo se apagara; as teias de aranha tinham se proliferado. Não sei por quê, quando olhei pela janela, pareceu-me que a casa em frente também ficara decrépita, apagada, que o reboco das colunas tinha descascado e caído, que as cornijas estavam enegrecidas e rachadas, e que as paredes, de um amarelo forte e brilhante, todas manchadas...”. [1]
         O encontro com Nástenka tira o “sonhador’ de seu mundo de encantos, solidão e sofrimento, e coloca-o num mundo real, modificando, para sempre, sua vida. Ainda que a felicidade do “sonhador” tenha durado um instante ele parece achar ter sido o suficiente para abarcar toda a sua existência. Sem aparentar ciúmes ou inveja, parece aceitar o seu destino de alguém fadado à resignação e à solidão.
         Para Nivaldo dos Santos, no posfácio do romance, o isolamento do narrador, o “sonhador”, reflete a própria visão de Dostoiévski diante da agitada capital russa, São Petersburgo. Logo que deixou Moscou para estudar em São Petersburgo, Dostoiévski teria logo percebido o contraste existente na cidade. No meio de uma cidade que cresce e se moderniza, perambulavam indivíduos isolados e excluídos da vida social, talvez engolidos pela indiferença e gigantismo dos novos espaços.
Num mundo, assim, tão voraz, o sonho e a imaginação parecem ser caminhos capazes de devolver a dignidade das pessoas, que não encontram consolo ante feras, ou talvez a existência concreta de muitos indivíduos só tenha sentido nesse mundo imaginário. Coisas simples, como ter um amigo sincero ou alguém capaz de ouvir e dividir as angústias, passa a ter um valor desmedido. Parece ser os casos não apenas do “sonhador”, mas também de Nástenka.
         O sonhador parece adquirir a mesma imagem fantasmagórica daquela cidade fantástica, local dos sonhos, da solidão, da alegria e das decepções. Assim parece ser o narrador.

DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Noites brancas: romance sentimental (das recordações de um sonhador). 3.ed. São Paulo: Editora 34, 2009.


[1] DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Noites brancas: romance sentimental (das recordações de um sonhador). 3.ed. São Paulo: Editora 34, 2009, 81-82.


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