O
noivo não aparece no dia marcado e Nástenka se encontra com o “sonhador” nas
três noites seguintes, sempre no mesmo lugar e sempre com a esperança de
reencontrar o noivo, seu amado. Apesar do sofrimento de ambos (dela pela
suposta traição do noivo e dele por ter-se apaixonado por ela), vivem noites de
encantamento.
Na
última noite, Nástenka, impulsionada talvez por um saudável instinto feminino
de autoproteção decide transferir para o “sonhador” o seu afeto e casar-se com
ele. Por um instante, encorajado por Nástenka, o “sonhador” vislumbra a
possibilidade de uma felicidade “real”. Mas, ela se lança aos braços do noivo
na mesma hora em que ele finalmente aparece, logo depois de ter firmado
compromisso com o outro.
Sozinho
mais uma vez, o mundo volta a ter a cor cinzenta de antes. Passa a ver os
espaços como sempre vira antes. O romance termina na manhã seguinte, com a
desilusão do sonhador: “não sei por quê, pareceu-me que de repente meu quarto
envelhecera tanto quanto a velha [que limpava o seu quarto]. As paredes e o
piso haviam perdido a cor, tudo se apagara; as teias de aranha tinham se
proliferado. Não sei por quê, quando olhei pela janela, pareceu-me que a casa
em frente também ficara decrépita, apagada, que o reboco das colunas tinha
descascado e caído, que as cornijas estavam enegrecidas e rachadas, e que as
paredes, de um amarelo forte e brilhante, todas manchadas...”. [1]
O encontro com Nástenka tira o
“sonhador’ de seu mundo de encantos, solidão e sofrimento, e coloca-o num mundo
real, modificando, para sempre, sua vida. Ainda que a felicidade do “sonhador”
tenha durado um instante ele parece achar ter sido o suficiente para abarcar
toda a sua existência. Sem aparentar ciúmes ou inveja, parece aceitar o seu
destino de alguém fadado à resignação e à solidão.
Para Nivaldo dos Santos, no posfácio do
romance, o isolamento do narrador, o “sonhador”, reflete a própria visão de
Dostoiévski diante da agitada capital russa, São Petersburgo. Logo que deixou
Moscou para estudar em São Petersburgo, Dostoiévski teria logo percebido o
contraste existente na cidade. No meio de uma cidade que cresce e se moderniza,
perambulavam indivíduos isolados e excluídos da vida social, talvez engolidos
pela indiferença e gigantismo dos novos espaços.
Num
mundo, assim, tão voraz, o sonho e a imaginação parecem ser caminhos capazes de
devolver a dignidade das pessoas, que não encontram consolo ante feras, ou
talvez a existência concreta de muitos indivíduos só tenha sentido nesse mundo
imaginário. Coisas simples, como ter um amigo sincero ou alguém capaz de ouvir
e dividir as angústias, passa a ter um valor desmedido. Parece ser os casos não
apenas do “sonhador”, mas também de Nástenka.
O sonhador parece adquirir a mesma
imagem fantasmagórica daquela cidade fantástica, local dos sonhos, da solidão,
da alegria e das decepções. Assim parece ser o narrador.
DOSTOIÉVSKI,
Fiódor. Noites brancas: romance
sentimental (das recordações de um sonhador). 3.ed. São Paulo: Editora 34, 2009.
[1]
DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Noites brancas: romance sentimental (das
recordações de um sonhador). 3.ed. São Paulo: Editora 34, 2009, 81-82.
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