Há,
nessa pequena obra, pelo menos três transformações e uma inversão: neste caso,
a novela inicia-se com o clímax, puxado para o início. A primeira mudança
refere-se à metamorfose de Sansa em inseto. Se antes era o esteio da família,
agora, sem poder trabalhar torna-se entulho que, aos poucos, será renegado como
coisa imprestável. Em segundo lugar, sua família também se transforma,
sobretudo sua irmã. Se no início ela
resolve ajudá-lo, no final propõe aos pais livrar-se dele. Para isso, seria
preciso, diz ela, considerá-lo não humano, seu irmão, mas apenas um inseto. Em
terceiro lugar, a metamorfose tira da família sua sustentação econômica,
baseada na exploração do rapaz, mas, por outro lado, representa, para este, a
liberdade, o fim da condição de escravo.
Não
se pode tomar o enredo de A metamorfose ao pé da letra, quer dizer, de maneira
literal. Não passa de uma metáfora, enquanto tal, de valor simbólico,
abrindo-se a muitas interpretações, nenhuma definitiva. Afirmo ser impossível
estabelecer de uma vez por todas o que o autor pretendeu com o livro, mas é
coerente com seu método de produção ficcional, aberto. Há, me parece, no
romance, uma clara intenção de estabelecer uma inversão em que o inseto é
humano e os humanos não passam de insetos, isso parece evidente na cena em que
a irmã de Gregor toca violino para os inquilinos de seus pais. Nenhum deles
mostra-se interessando, pelo contrário, escuta a música como se fosse um fardo,
apenas insetos, talvez, enquanto Gregor, ao contrário, é seduzido pela arte e
consegue perceber, como seu pai, o desdém dos inquilinos. Ao contrário de seu
progenitor, que não toma nenhuma atitude para defender a filha, ele resolve
ajuda-lo, sendo, pois descoberto e tornando-se pivô da saída dos inquilinos. É
então que o fato de ser um farto para a família se revela depois de ter
trabalhado tanto para sustentá-la.
Embora o enredo seja absurdo, pois fala da história de um caixeiro-viajante transformado em um inseto, suscita reflexões. Se antes era ele o salvador da sua família, trabalhando para sustentar um pai e mãe velhos e uma irmã de dezessete anos, ao se metamorfosear passa a representar um fardo muito grande para a família a ponto de, no final, desejar livrar-se dele. Mas, e isso é o mais impressionante, o autor narra a história daquela família com um realismo revoltante, como se, de fato, fosse verdadeira ou que se tratasse de algo verossimilhante.
Referências
CARONE, Modesto. Lição de Kafka. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
CARPEAUX, Otto Maria. Franz Kafka e o
mundo invisível. In: A cinza do pulrgatório. Balneário Camboriú, SC: Livraria
Danúbio Editora, 2015.
KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
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