sábado, 6 de agosto de 2022

A metamorfose - Franz Kafka (Parte II)



 


Há, nessa pequena obra, pelo menos três transformações e uma inversão: neste caso, a novela inicia-se com o clímax, puxado para o início. A primeira mudança refere-se à metamorfose de Sansa em inseto. Se antes era o esteio da família, agora, sem poder trabalhar torna-se entulho que, aos poucos, será renegado como coisa imprestável. Em segundo lugar, sua família também se transforma, sobretudo sua irmã.  Se no início ela resolve ajudá-lo, no final propõe aos pais livrar-se dele. Para isso, seria preciso, diz ela, considerá-lo não humano, seu irmão, mas apenas um inseto. Em terceiro lugar, a metamorfose tira da família sua sustentação econômica, baseada na exploração do rapaz, mas, por outro lado, representa, para este, a liberdade, o fim da condição de escravo.

 

Não se pode tomar o enredo de A metamorfose ao pé da letra, quer dizer, de maneira literal. Não passa de uma metáfora, enquanto tal, de valor simbólico, abrindo-se a muitas interpretações, nenhuma definitiva. Afirmo ser impossível estabelecer de uma vez por todas o que o autor pretendeu com o livro, mas é coerente com seu método de produção ficcional, aberto. Há, me parece, no romance, uma clara intenção de estabelecer uma inversão em que o inseto é humano e os humanos não passam de insetos, isso parece evidente na cena em que a irmã de Gregor toca violino para os inquilinos de seus pais. Nenhum deles mostra-se interessando, pelo contrário, escuta a música como se fosse um fardo, apenas insetos, talvez, enquanto Gregor, ao contrário, é seduzido pela arte e consegue perceber, como seu pai, o desdém dos inquilinos. Ao contrário de seu progenitor, que não toma nenhuma atitude para defender a filha, ele resolve ajuda-lo, sendo, pois descoberto e tornando-se pivô da saída dos inquilinos. É então que o fato de ser um farto para a família se revela depois de ter trabalhado tanto para sustentá-la.

Embora o enredo seja absurdo, pois fala da história de um caixeiro-viajante transformado em um inseto, suscita reflexões. Se antes era ele o salvador da sua família, trabalhando para sustentar um pai e mãe velhos e uma irmã de dezessete anos, ao se metamorfosear passa a representar um fardo muito grande para a família a ponto de, no final, desejar livrar-se dele. Mas, e isso é o mais impressionante, o autor narra a história daquela família com um realismo revoltante, como se, de fato, fosse verdadeira ou que se tratasse de algo verossimilhante.


Referências

CARONE, Modesto. Lição de Kafka. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

CARPEAUX, Otto Maria. Franz Kafka e o mundo invisível. In: A cinza do pulrgatório. Balneário Camboriú, SC: Livraria Danúbio Editora, 2015.

KAFKA, Franz. A metamorfose. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. 

 

 

← ANTERIOR PROXIMA → INICIO

0 comentários:

Postar um comentário

Deixe aqui seu comentário, opinião e sugestões. Um forte abraço!