A cidade de Ipu, no dia primeiro de
janeiro de 1915, amanhecera radiante. O sol castigava a muralha da Ibiapaba e
produzia um verdadeiro espetáculo de cores e luzes. A cidade “acordava” e abria
suas portas. No mercado se ouvia o vociferar de transeuntes, pedintes,
comerciantes, mulheres da vida e daqueles que lá foram comprar sua ração
diária. Em cada esquina só se falava de política, da valentia de João Martins e
da mudança de poder: alguns diziam: “o coronel que se cuide. Disseram que
Benjamin deu ordens para acabar com o valentão. Ouvi dizer que vai chegar uma
força policial na cidade, com soldado até do exército. Agora quero ver o que
vai ser!”: outros replicavam: “ah, quero é ver! O coronel vai surrar todos que
não é homi de fugi do combate”.
Enquanto o ano novo era comemorado
com entusiasmo por alguns e a população exercia sua arte de “cortar e picar”,
um grupo de pessoas tinha motivo de sobra para se preocupar, é que sabia, seria
alvo de perseguição. Os rabelistas de Ipu, os até então temidos Martins, foram
surrados do poder e nada podiam fazer. Com a queda de Franco Rabelo, estiveram
de mãos atadas. Todos os cargos de mando, em Ipu, agora estavam sob domínio de
seus tradicionais opositores: os Aragão. Estes que nunca comandaram a Terra de
Iracema estavam sentido o delicioso gosto de governar. Mas mal sabiam eles que
este doce sabor logo se transformaria em fel.
As notícias não eram boas para os
Martins. Estes sabiam por fontes seguras que o presidente do Estado designara
um destacamento do batalhão de polícia para estacionar em Ipu e teria escolhido
o pior de seus tenentes para executar seus planos sujos: aniquilar os Martins
de Ipu.
No ano novo muitos veriam o sol
nascer quadrado. 1915 entrou para os anais da história dessa formosa cidade,
como o ano em que a Terra de Iracema
sentiu o gosto do sangue derramado dos
poderosos de Ipu, acostumados a “beber o líquido vermelho” de seus opositores,
ou mandá-los para os porões de suas cadeias nada limpas.
A cidade mal tinha comemorado a
chegada do ano novo com os espocar dos fogos de artifícios, eis que ainda na
noite do dia primeiro, chegava a Estação Ferroviária do Ipu o “asqueroso
selvagem” Tenente Espinheiro, conhecido por suas técnicas de tortura e seu
prazer em rasgar seus inimigos com o fio de sua baioneta e fazê-los sofrer antes de morrer: tinha prazer ao ver o sangue e
o sofrimento do inimigo. Dizem alguns que era admirador dos Assírios, povos da
Mesopotâmia conhecidos por suas técnicas
cruéis de tortura ao inimigo. Vinha acompanhado de 100 praças e recebera
ordens terminantes de Benjamim Liberato Barroso, presidente do Estado, de não
poupar munição, não economizar no sangue derramado do inimigo e não se acanhar
na tortura daqueles que não colaborarem com a polícia.
No mesmo dia primeiro, no meio da
noite, seguiram para a fazenda Jaçanã para cumprir o que lhes fora determinado.
Deveriam chegar de surpresa e antes que alguém avisasse ao coronel. O objetivo
era massacrá-lo com toda sua família. Ao chegar próximo à fazenda e cercá-la,
pela manhã, a soldadesca rompeu em cerrada fuzilaria contra a casa principal da
fazenda. Na ocasião, encontravam-se em casa somente João Martins e Antonio
Rodrigues (Chapéu Grande), seu fiel capanga, e dois menores seus netos (na
verdade afilhados), que momentos antes saíram para um cercado, junto à casa,
para dar água a animais. Um deles foi morto barbaramente, trucidado pelas balas,
e o outro foi salvo por outro praça que o escondeu de seus companheiros para
que não fosse morto.
O furor da artilharia foi tal que o
telhado da casa ficou em cacos. Como ali não encontrou viv’alma, o tenente ordenou à destruição da fazenda: impossibilitado
de saciar seu desejo de espichar o coro do coronel João Martins com as próprias
mãos e, tomado por uma cólera insuportável, saqueou a fazenda. O que não pôde
levar queimou. Alguns soldados esvaziaram latas apinhadas de querosene sobre a
casa e os depósitos de farinha, milho, feijão, algodão e tudo o mais. A fazenda
foi quase totalmente destruída.
Entre os documentos saqueados um
soldado encontrou a patente de coronel concedida a João Martins pela Guarda
Nacional, título que impunha respeito e medo. De pirraça e para humilhá-lo, com
ordens de Espinheiro, os soldados enfiaram-na em uma estaca na frente do que
restou da abastada Fazenda Jaçanã, como
quem diz: “eis a patente de um coronel sem fazenda”.
João Martins e Chapéu Grande, antes
disso, ganharam o mato. Espinheiro e seus soldados procuraram-nos como animais,
sem resultado, pelas fazendas das redondezas.
Ainda em janeiro os soldados empreenderam outra investida à Fazenda Jaçanã,
destruindo o que teria restado do primeiro incêndio, sendo ali, espancadas,
diversas pessoas, inclusive dois sobrinhos do Coronel João Martins. Ao cercar a
casa do Cel. Felix Martins (irmão de João Martins), foram presos seus filhos,
genros e agregados (8 pessoas), além dos espancamentos feitos no local.
Continua...
0 comentários:
Postar um comentário
Deixe aqui seu comentário, opinião e sugestões. Um forte abraço!