"Jogar capoeira ou dança da guerra" do pintor Rugendas, publicada em 1835. Fonte: RUGENDAS, Johann Moritz . Viagem pitoresca através do Brasil. São Paulo: Livraria Martins, 1940 |
Introdução
Os
primeiros historiadores ipuenses superestimaram a nossa formação europeia,
branca, cristã e católica. Mais do que isso, criaram a imagem de que o povoado,
que mais tarde daria origem à cidade de Ipu, teria nascido da catequese dos
primeiros missionários, ao banir de nossa formação, a “raça infecta” indígena.
O negro é quase totalmente negligenciado, dando a impressão de que ele não teve
papel importante em nossa formação. Essa versão da história estava bem de
acordo com os valores da época, que identificava a sociedade europeia, branca e
cristã, como depositária dos valores superiores da civilização e da
modernidade. Desta forma, o indígena e o negro, sempre identificados como
“raças inferiores”, incapazes de produzir conhecimento, ciência, de evoluir, são
esquecidos ou conscientemente negligenciados.
Em
seis partes, buscamos demonstrar, ao contrário, que o negro teve um papel
significativo na formação de nosso povo.
O negro no Ipu
No nosso
processo histórico a presença do negro foi significativa. Não se trata apenas
de lembrar a escravidão. As fontes sobre a sua presença na sociedade ipuense
apontam para o fato de que existia uma gama muito superior de negros libertos,
mulatos e pardos em relação ao número de cativos. Postular que a presença negra
em nossa cultura foi pouco significativa, porque a escravidão não teve, entre
nós, grande importância, nos coloca diante de uma questão perversa, que
consiste em associar o negro à escravidão.
Na segunda metade do século XIX até antes da abolição, existia em Ipu um número
bastante significativo de não brancos trabalhando como homens e mulheres
livres.
Entre 1857/1858 existiam, segundo números oficiais, 784 escravos numa população
de 17.420 habitantes, cerca de 4,5% da população. Em 1860 este número aumentou
para 807 escravos. Em 1872 a cidade tinha 687 cativos e no ano seguinte este
número subiu para 835.
Estas cifras revelam a existência de um número significativo de escravos na
cidade de Ipu, mas, por outro lado, não revelam, por exemplo, a existência de
um número muito maior de negros, pardos e mulatos não cativos.
Temos inúmeros exemplos de negros libertos que exerciam atividades em Ipu na
segunda metade do século XIX. Eusébio de Sousa anota em um de seus trabalhos
que em Ipu, um dos primeiros que descobriu minas de ouro foi um “preto velho”,
natural de Minas Gerais, conhecido pelo epíteto de “Pae Flor” e “extrahio
dellas porções de elevado quilate, que vendia aos ourives da cidade e dava
tambem a outras pessoas”. Eusébio de Sousa
cita ainda o caso do negro Gabriel, supostamente nascido em Sobral e que
constituiu família em Ipu e aqui morreu. Depois de correr mundo como escravo
veio conseguir sua liberdade na Terra de Iracema. Ergueu em Ipu o primeiro e
único hotel até o início do século XX que deram o nome, mais tarde, de Rendez-vous
des amis (encontro dos amigos). Muito conhecido na cidade, seu nome
completo era Gabriel de Saboya e Silva, em função de ter sido escravo do dr.
José Thomé da Silva, juiz de direito da Comarca de Ipu em meados do século XIX.
Podemos citar ainda um último caso, a de Luzia Torquez, uma negra escrava que
conseguiu a sua alforria antes do fim da escravidão. Muito conhecida na cidade,
vendia seu corpo para conseguir sobreviver.
Continua...
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