Um jantar brasileiro. 1827. Jean Baptiste Debret |
O Escravo no espaço social
Os novos estudos sobre a
escravidão têm enfatizado a capacidade de negociação dos cativos frente ao
sistema opressor, colocando por terra a noção de passividade do negro e de
coisificação. Era comum o escravo recorrer à justiça contra os castigos físicos
impingidos por seus senhores. Os escravos faziam sua própria leitura da
realidade e passavam a perceber que nela havia alguns mecanismos legais que
podiam ser acionados a seu favor. Além das fugas, rebeliões, suicídios a que os
escravos recorriam como forma de resistir à violência da escravidão, existiam
outras práticas sociais buscadas por eles para minimizar a sua condição. Mesmo
sujeitos as inúmeras limitações e imposições, eles lutavam pela construção de
determinados espaços de autonomia e liberdade.
Embora os escravos fossem
considerados mercadorias que podiam ser vendidas, eles eram passíveis de
sentimentos, paixões, ódios, desejos e entendiam claramente sobre o momento de
agir contra a sua condição de escravo e, assim, negociar com seus senhores espaços
de autonomia. Quando isso não era possível, às vezes, as relações entre as
partes tornavam-se conflituosas.
Em Ipu, poderíamos
apresentar diversos exemplos que mostram muito bem o que estamos discutindo. O
caso mais conhecido é o do enforcamento do escravo Estevão. Ao que tudo indica, era um cativo que tinha certa liberdade e era bem tratado. Pertencia ao Cel.
Diego Lopes de Araújo Salles (que inclusive extraiu ouro de uma mina de Ipu, usando o braço escravo). Em maio de 1845, Estevão assassinou com uma cacetada e
facada o seu feitor Manoel de Carvalho Guedes Mourão, fato que se desenrolou
no sítio Conceição. Segundo os autos
do processo, Estevão diz ter assassinado o seu feitor pelo fato deste tê-lo
surrado, o que competia apenas a seu senhor.
O caso mostra que, embora
fosse escravo, Estevão compreendia que não podia ser surrado nem mesmo por seu
feitor, a menos que ele tivesse seguido ordens do seu dono. Este fato mostra
que no entendimento de Estevão, ele poderia resistir se fosse castigado por
alguém que não o seu senhor ou que não tivesse ordens expressas para isso.
Uma das estratégias
encontradas pelos escravos para resistir ou suportar sua condição foi à
constituição de famílias, embora as limitações imposta para isso fossem de ordem
diversa. Há vários casos em Ipu que mostram que escravos e ex-escravos buscavam
formar famílias como forma de resistência ao sistema ou mesmo viver uma vida
mais digna, o caso do escravo Gabriel é um deles. Dentro das negociações existentes
entre os escravos e seus senhores, casar-se representava ganhar mais controle
sobre o espaço de sua moradia. Os inventários post morten constituem uma chave para se conhecer melhor o universo
do escravo e suas relações afetivas e, sabemos, eles existem em Ipu e podem
lançar olhares sobre a escravidão.
👏👏👏 Trabalho muito bem feito!
ResponderExcluir