Espaços da diversão e religiosidade dos negros
No início do século XX as
famílias abastadas de Ipu reclamavam e condenavam a existência de sambas realizados por pessoas de
“baixa condição”. Estes sambas eram frequentados pelos afrobrasileiros,
descendentes de escravos, mas também por mulatos, pardos e brancos pobres. Em
todo o Ceará, os códigos de postura municipais proibiam os sambas, e a reunião de pessoas, em particular de escravos.
O bumba meu boi foi outra realização festiva que unia e reunia
escravos e ex-escravos, citado por Eusébio de Sousa.
Escravidão em Ipu: um tema rico
O pelourinho da Vila Nova do Ipu Grande ficava no atual
Quadro da Igrejinha. Lá estava o mercado de escravos. Qualquer senhor que
quisesse vender, trocar ou comprar escravos rumava para aquele logradouro. Lá
também era o local de castigos de cativos rebeldes e palco das execuções de
pena de morte.
Lá estavam os símbolos do
poder temporal e espiritual: a cadeia e a Igreja.
Foram utilizados escravos
na extração de ouro de algumas minas de Ipu, nos engenhos locais, em serviços
domésticos, na pecuária e na lavoura.
Em Ipu, cita Nertan
Macedo, o Padre Francisco Correia era dono de escravos, e segundo Antonio
Bezerra, possuía uma fábrica de moagem, possivelmente tenha sido um senhor de
muitos escravos.
Os Bessa Guimarães, originários
de Sobral, foram grandes proprietários de escravos. Da mesma
forma, o foi o Cel. Diego Lopes de Araújo Salles, proprietário do negro Estevão. Diogo Salles, auxiliado por um mineiro conhecedor do ofício, vindo das
gerais, extraiu, usando o braço cativo, 286 oitavas de ouro de elevado quilate
das minas de juré. A extração do
metal naquelas minas foi abandonada em função do assassinato do auxiliar do
cel. Diogo por um de seus escravos. Isso se deu pela falta de pessoa habilitada
capaz de dirigir os trabalhos
Muitas famílias ipuenses,
ainda hoje, guardam a memória da escravidão. Histórias que passam de geração a
geração. Ainda restam algumas casas no centro da cidade que atestam em seus
porões as marcas da escravidão.
Roselany Rodrigues Tavares,
em monografia sobre a escravidão em Ipu, levanta a questão de ter existido em
São Mateus um quilombo, cuja memória foi cantada em música escrita por Zezé do Vale.
Em um dos trechos de sua melodia diz: “Abre a tua porta nego, com ordem do
delegado/Minha porta não se abre que pai João ta incomodado/(...) Pelo sinal da
santa Cruz livre nos Deus./O barulho ta danado no quilombo do Mateus.
O mito da mulher que virou
cobra, por ter sido severa com seus escravos, atesta a riqueza do imaginário
popular e a lembrança da escravidão. Reza a lenda que em meados do século XIX
(provavelmente 1847) dona Ana Ferreira Passos, proprietária do sítio São Paulo
e dona de muitos escravos, falecera. Algum tempo depois teria sido encontrada
em seu túmulo uma imensa cobra. A cultura popular se encarregou em dar um tom
profético ao ocorrido, alimentando a imaginação da população que longo associou
o ocorrido à suposta perversidade com que a referida senhora tratava seus
escravos. Aquilo, segundo o povo, teria sido castigo divino por seus maus
tratos aos escravos que possuía. Muitas outras histórias lendárias, criadas
pelo imaginário popular associam sempre de forma macabra a vida da “perversa”
dona de escravos à imagem da serpente, sempre ligada a algo negativo, como na
tradição bíblica.
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