A FRAQUEZA DA CARNE
FOLHETIM DE GABRIEL ARCANJO
A
moça saiu, deixando atrás de si a aflição de sua lembrança, seu perfume de
menina-mulher, e o eco perturbador da silhueta de seu corpo esguio na mente
confusa do jovem celibatário. “A mulher é uma criação de Deus? Ou será do
Diabo?” Pensou em seu íntimo, e ele mesmo respondeu em pensamentos: “- A mulher
é obra do Cão!”
A
noite caiu, como uma manta sinistra sobre a cidade que dormia, e o padre, que
era um homem como todos os outros, voltou a ter sua mente ocupada pela
lembrança da jovem loira, que ele vira pela manhã, no confessionário.
Lembrou-se de seus olhos de esmeralda, de seus seios de melão maduro, de sua
boca de jasmim, e pediu perdão ao bom Deus por sua fraqueza (mas ele era um
homem como todos os outros, e o fantasma da loira continuou a ocupar seus
pensamentos). Naquela noite, o pároco teve sonhos tenebrosos e medonhos, sonhos
em que Maria, a linda moça filha rejeitada dos Araújo, lhe vinha invadir o
quarto e o leito vestida apenas com uma camisola transparente. Era possível
ver, por debaixo da roupa, o desenho loiro de suas partes íntimas, o bico
pontudo de seus seios, o volume de suas ancas. Veio esbelta, na direção do
homem de Deus, e ele titubeou: “-O que é que tu quer aqui, menina? -Eu quero
você, meu padre! Disse-lhe, e correu para os seus braços, num alvoroço de
amante sedenta! –Arreda-te de mim Satanás! Disse o religioso, empunhando um
crucifixo, como a exorcizar o próprio Demônio! Arreda-te de mim! E ele, que
havia jurado nunca pecar, nunca provar da carne sedosa de uma bela mulher, se
viu vencido ali em sonhos, naquela noite, pelos beijos e pelos afagos da linda
bruxa dos Araújo! Repetiu as palavras de Cristo na Cruz: - Meu Deus, por que me
abandonaste? E se entregou a luxúria! Falou ele, num desmaio e num sussurro,
vendo sua voz ser sufocada pelo beijo apaixonado da mulher-anjo, que se despia
diante de seus olhos, e ele se viu derrotado, incapaz de resistir. E, num raio
da manhã, despertou sozinho em seu leito sujo de suor e de sêmen: - Por que é
que tu vens me perseguir, filha do pecado? Disse ele, entre o sono e a vigília,
arrependido de seus pecados, com o peito em brasa, o falo em riste, e ouvindo
lá fora o som surdo do vento no telhado, e a pressa da chuva ligeira de
dezembro a lhe inspirar versos estranhos de amor:
Maria,
o teu olhar
É
a dor da vida na vida!
É
navalha ardendo na ferida!
É
o sonho da morte vivida!
É
o trem que apita!
É
o carro que corre!
É
o tempo que passa!
É
a vida que morre!
Maria,
o teu olhar
É
a forca do suicida!
É
a navalha na ferida!
É
a noite sem fim!
É
o crime de Cãim!
É
o silêncio eterno!
É
o inferno!
É
o céu!
Maria,
o teu olhar,
É
a chuva que vem,
É
a vida que vai!
De
longe, bem longe!
De
dentro da noite sem fim!
É
o crime de Cãim!
É
a vida que morre!
Maria
o teu olhar
É
prisão de amargar!
É
triste,
Como
o luar!
É
Fundo,
Como
o oceano!
Maria,...
É
teu olhar.
Continua...
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