Em seus
casarões em ruínas, em seus prédios históricos abandonados, em suas ruas
antigas e esquecidas, a velha Ipu chora um choro surdo e mudo das cidades
mortas, como um cemitério de vivos; quando um uivo de um cão louco faz lembrar
as almas penadas que ali residem; num choro fantasmagórico que, sufocado pelo
barulho ensurdecedor dos automóveis e motocicletas que correm obstinadamente
pelas ruas de hoje, silenciando mesmo o choro dos homens e mulheres que viveram
por aquelas ruas, que amaram por aquelas alcovas, que construíram aquelas
casas, que sentaram naquelas praças; e que continuam eternamente a sentar e a
andar e a amar pela velha cidade morta e sepultada debaixo da cidade viva,
pulsante e barulhenta.
A cidade
velha, quase que caída para todo o sempre em um esquecimento tão profundo que,
para o futuro, ela nunca existiu, deixa mesmo correr um rio de pranto que à
noite assombra os namorados, os noctívagos, os ladrões e os vagabundos, como um
gemido de uma alma penada e um vento frio que vem do cemitério da cidade e que
faz gelar o sangue dos mais valentes e supersticiosos. Esta é a pior das
mortes; a morte total e definitiva; uma morte completa e irreversível; a morte
de todos os nossos avós; e dos avós de nossos avós.
Todos de
uma só vez vêm juntos gritar à meia-noite, em pânico, aos ouvidos insensíveis
dos homens e mulheres vivos, como uma legião de anjos e de demônios na eterna
agonia da batalha travada entre os santos e os diabos pelas almas dos vivos e
dos mortos.
Mas as
pessoas de hoje não ouvem, não sentem; não falam; como se estes é que jazessem
inertes e sem vida.
Raimundo
Arcanjo.
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