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Para muitos estudiosos da obra de Dostoiévski, Crime e castigo talvez seja a mais profunda do autor russo. Indiscutivelmente faz parte daqueles livros célebres, constando em qualquer lista dos dez romances mais importantes da humanidade. Se és um amante da leitura e ainda não o encarou, saiba que não passas de uma BOSTA! (rsrsrs, brincadeiras à parte...)
Há ligações entre Crime e castigo e os anos quando o autor passou na prisão. Pessoas (e atitudes), com quem Dostoiévski se relacionou na prisão, teriam servido de base para alguns de seus personagens.
O autor russo teria notado: muitos dos camponeses encarcerados eram pessoas calmas e dóceis, mas, por alguns motivo, e em algum momento, teriam perdido a paciência e cometeram um crime como se tivessem bêbados, em delírio ou atravessado o limite do sagrado.
Mas tão logo o acesso de fúria e delírio passava, o
criminoso se acalmava e rapidamente retomava sua natureza dócil, original. É esse o
modelo de Raskólnikov, embora ele não seja camponês, estando mais na condição
de educado, de um intelectual.
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Segundo Joseph Frank, biográfo do
autor, não é tanto o assassinato em si que desencadeia o delírio de
Raskólnikov, mas a ideia de “ultrapassar o limite do sagrado”. Logo que cometeu
o crime o até então reticente estudante exibe raiva e ódio provocantes por
todos aqueles que possam suspeitar dele, mesmo por aqueles que o auxiliam. Parece
tronar-se uma outra pessoa, demonstrando uma vigorosa arrogância que surpreende
até ele mesmo. “O que acontece a Raskólnikov é uma contrapartida moral-psíquica
exata da transformação dos presos que se enfurecem contra todos”.
A decisão por matar a velha agiota, por sua condição de má, cruel e desumana, é justificada não por uma repulsa moral que demonstrasse repugnância da velha. Rascólnikov se convence da inutilidade da vida da agiota, sendo levado por um motivo utilitário e não, como se disse, moral.
É esse o critério que confunde o jovem, a decidir-se pelo assassinato para
salvar seu projeto de terminar seu curso superior e para salvar a vida de sua
família. Crime que seria compensado ao devotar o resto de sua vida a praticar
boas ações, cumprido suas obrigações para com a humanidade.
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Segundo Joseph Frank, é esse conflito entre o castigo moral de consciência e a nova moral utilitária que confunde Raskólnikov e molda a forma como Dostoiévski descreve a personalidade do protagonista do romance.
O utilitarismo egoísta é uma corrente filosófica, defendida na época por Tchernichévski, com quem Dostoiévski polemiza na década de 1860. O primeiro popularizou a ideia segundo a qual o critério supremo da moral era a utilidade. Os homens buscavam, portanto, o que lhes davam prazer e satisfazia seus interesses próprios, egoístas.
No entanto,
como os homens são também criaturas racionais, descobriram que a utilidade
suprema consistia em identificar seus desejos pessoais com o bem-estar da
maioria de seus pares. Finalmente, os radicais utilitaristas defendiam que
apenas eles tinham a fórmula para a felicidade geral.
O personagem central do romance é usado para ridicularizar o utilitarismo. Este teria sido a causa de muita confusão e levado, na Rússia, jovens estudantes a cometerem crimes, acreditando que sua ação levaria à mudança da sociedade para melhor, uma vez que se julgavam os escolhidos e que seu projeto era o melhor para todos.
Raskólnikov pode ser
identificado como o protótipo disso. O utilitarismo teria obliterado de tal
maneira a linha entre o bem e o mal, que poderia levar um jovem idealista
sensível, revoltado com o sofrimento e a injustiça, a cometer um crime brutal.
Portanto, a natureza utilitária em
Raskólnikov fornece a justificativa: pode-se matar um ser inútil por uma
fortuna, desde que ela fosse usada para o bem. Assim, era possível passar por
cima de qualquer ditame da consciência, diante da utilidade ninguém seria
afetado por reguladores morais. Há, no personagem central, um conflito latente
entre o desejo de mudar o mundo para melhor, a qualquer custo, e os velhos
imperativos da moral cristã, sempre presentes nas obras do autor.
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Crime e castigo foi escrito, portanto, dentro do clima ideológico da Rússia de meados dos anos 1860. Dostoiévski criou o personagem Raskólnikov para exemplificar os perigos do radicalismo egoísta. Os traços morais do caráter do personagem exemplifica o embate entre, de um lado, a bondade instintiva, a compaixão e a piedade e, de outro, o egoísmo orgulhoso dos radicais russos, chamados pelo autor de niilistas.
O grande mistério do romance está nos motivos
do assassinato cometido pelo personagem central. De um lado, o próprio
Raskólnikov não entende por que motivo cometeu o crime e, de outro, toma
consciência de que o propósito moral que supostamente o teria inspirado, não
podia explicar sua conduta.
Logo no início do romance aparece em Raskólnikov o conflito entre sua intenção de matar e a resistência de sua consciência moral contra tirar uma vida humana. Conforme o romance avança, o Raskólnikov do início, um estudante sensível aos infortúnios, aos sofrimentos, dá lugar a outro personagem, frio e egoísta, indiferente e desdenhoso, insensível aos infortúnios que haviam estimulado sua piedade. A sua transformação se inicia quando começa a pensar no crime e, mais ainda, após cometê-lo.
No entanto, essa transformação é passageira e, tão logo recupera sua consciência anterior, após os delírios pelos quais é acometido, associado simbolicamente pela dialética utilitarista, volta a seu estado anterior.
O que
domina em Raskólnikov, esclarece Joseph Frank[3], são as
angústias e a força de consciência mesmo em meio a uma luta violentamente,
egoísta, para manter a liberdade, e que o verdadeiro motivo do estudante foi
unicamente testar se ele era, de fato, um piolho insignificante como os outros,
se era uma trêmula criatura ou se tinha o direito de matar, se estava acima da
lei moral, por se considerar um ser extraordinário, como um Napoleão, em
contraste com a maioria das pessoas, apenas ordinárias.
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Crime e castigo, primeiro livro da série de grandes romances da maturidade de
Dostoiévski, tem como personagem central um ex-estudante universitário, rapaz
pobre e inteligente. Vive num cubículo
miserável na periferia de São Petersburgo. Pela pobreza e falta de recursos é
obrigado a abandonar os estudos. Nestas condições, passa a cogitar e estabelecer
um plano para assassinar uma velha agiota, a quem considera um ser imprestável,
que só traz mau, para se apossar de seu dinheiro e assim continuar com os seus
planos: consiste em se formar e ajudar sua mãe e uma irmã que, igualmente,
vivem com poucos recursos.
Raskólnikov acredita que a má ação, assassinar uma velha imprestável e
prejudicial à sociedade, seria recompensada com as muitas boas ações que
poderia levar a cabo com o dinheiro dela. Acredita que sacrificar um ser inútil
e prejudicial a sociedade seria recompensada e justificada com o ato benéfico e
útil que faria para essa mesma sociedade.
Raskólnikov estabelece um plano para assassiná-la e se apoderar de seu
dinheiro. A partir de então, entra em um intenso conflito psicológico. As coisas
não se passam como imaginado. Acaba matando não apenas a velha, como planejado,
mas também irmã dela que, inesperadamente, apareceu na cena do crime. Se
apodera de pertences da agiota e os esconde em baixo de uma pedra em um local
da periferia de Petersburgo, não fazendo uso deles.
Raskólnikov teria sido impelido ao crime ao estabelecer uma teoria
segundo a qual se pode considerar lícito um crime aos espíritos superiores,
como se considerava, desde que tenha um bom motivo, como se pudesse ser
criminoso caso o crime seja convertido para o bem da sociedade. Uma falta grave
seria justificada pelas boas ações que proporcionaria à sociedade.
No entanto, as coisas não se passam como imaginava. “Mas eis que a
consciência do homem forte, que ele julgava ser, treme involuntariamente
perante este fato que o espanta: aquela criatura desprezível, a velha agiota,
era, apesar de tudo, um ser humano, e o que o rapaz fizera fora derramar o
sangue desse ser. Para além da filosofia, atuavam agora a natureza e a
realidade espiritual humana. Raskólnikov julgava-se apenas um cérebro em ação,
mas afinal era também um homem dotado de corpo e de nervos, que, além desse
cérebro, possuía também uma alma.
E, se a razão planejara e aceitara o crime, a carne e a alma não o
aceitam, repelem-no, insurgem-se e entram em conflito ardente com essa razão
fria, acabando por se lhe imporem. É nessa luta que reside o verdadeiro
castigo, a expiação, luta tremenda, cheia de suores e de delírios, de pavor e
de febres, travada nas mais profundas camadas vitais da consciência, luta que
vai tocar as raízes misteriosas da origem sagrada, talvez divina, da própria
humanidade”.
Creio que o grande tema de Crime e castigo é o
sentimento de culpa, o conflito psicológico entre razão e sentimento, entre
ideias e a moral, ética, tão bem incorporado pelo personagem central.
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